Rafael Braga

O rapaz

Esta é uma vez um rapaz, um rapaz que não gosta do seu primeiro nome, mas adora quem chame por ele.
Fica aborrecido por ter que adormecer todos os dias, e na hora de acordar sente-se insatisfeito com a coisa.
Ver o tempo passar é um luxo. O relógio é o seu inimigo.
Não alimenta o apetite para o apetite o alimentar a ele.
Primeiro ele expira, depois inspira, primeiro ele levanta-se, depois cai.
Possui tudo o que precisa mas não tem nada do que quer, existe uma coisa que busca e não existe nada que precise.
Guarda todas as pedras pelo caminho, mas não sabe construír castelos.
Quando vai à beira-mar imagina uma cidade, quando vai à cidade imagina um mar.
Doi-lhe a barriga quando se apaixona; apaixona-se quando lhe doi a barriga.
Tem a paciência de uma tartaruga e o nervosismo de uma lebre.
Come uma azeitona no fim de beber Coca-Cola, porque lhe disseram que a acetona descola.
Gosta de ver o fogo arder e a água borbolhar mas detesta ver os dois a brigar; é como ver um bombeiro bater num pirotécnico, não há fogo-de-artifício.
Odeia voltas mas ama reviravoltas.
Prefere ver tudo preto no branco porque o cinzento é a virtude.
Não gosta da Lua porque é mentirosa, não gosta do Sol porque não deixa olhar para ele, não gosta das estrelas porque não as pode contar, mas adora isto tudo porque fazem um músical perfeito.
Acha que uma pessoa com muitas ideias é um "ideota"!
Faz por conseguir tudo mas adia para amanhã para conseguir mais.
Tem pressentido que deve descobrir o dia perfeito quando perfeito foi o dia em que descobriu ter pressentido.
Inveja as asas das aves e aprecia as folhas de papel.
Ontem ficou passado, mas hoje recebeu um presente bom porque amanhã terá o futuro desejado.
Tem três mulheres na vida dele; uma com a qual não podia ter vivido, outra com a qual vive e a última com a qual não poderá viver sem.
Retifica que a letra X deveria estar no meio do nome dela, porque um pirata lhe disse que a cruz marca o tesouro.

O rapaz sente-se indesejado pelo desejo que tem de desejar o desejo dela. Pois com ela, o rapaz é capaz de gostar do primeiro nome, é capaz de adormecer e acordar feliz, passar o tempo em vez de o ver passar, é capaz alimentar o apetite de estar com ela, inspirar e só depois expirar, construir castelos, ter asas e viver.
 

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