O efeito do defeito - Mateus
Parte 6
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- Tarde 10 de Janeiro -
A caminho do café, para se encontrar com a sua mãe, como combinado, Mateus parou em frente a uma livraria. Na montra, olhando, viu um livro que lhe chamou a atenção. Um livro que havia lido por último.
Sorriu. Era um bom livro.
Ao chegar ao café, acenou ao funcionário de mesa e sentou-se no exterior, na esplanada. Mateus confortou-se na cadeira sem reparar em nada ou ninguém. Inspirou pela boca como quem queria soltar um grito, mas conteu e expirou calmamente.
A sua mãe ainda não havia chegado. Sozinho, relembrou e ouviu música como se revivesse um momento em lembranças.
Vários minutos se passaram.
- Como estás filho? - perguntou a mãe ao chegar perto dele.
Mateus estava distraído. Célia sentou-se ao seu lado e tocou-lhe no braço.
- Ah! Olá, mãe... Estou melhor... - respondeu modestamente.
Célia tirou o seu casaco e pendurou-o sobre a cadeira do lado. Pousou a sua mala no chão ao lado dos seus pés e retirou os óculos. Observou e Mateus continuava distraído e dividido no espaço.
- Conta-me o que se passou ontem no parque de estacionamento... - pediu gentilmente a mãe.
Mateus não respondeu. Célia fechou os olhos.
- Eu sei que ontem não deveria ter saído para um outro turno, mas eles precisavam muito de mim...
- Eu sei, compreendo...
- Mas agora estou aqui. E quero saber o que te está a acontecer desta vez.
Mateus olhou-a de relance.
- Como mãe, é claro... - afirmou Célia.
- Não sei - respondeu Mateus - Tu mesma me disseste que seria muito improvável ele ter saído do hospital no estado de saúde em que estava. Mas já passaram cinco meses e o Gonçalo...
- Eu já te tinha contado! - interrompeu ela - O Gonçalo foi transferido para fora do país, filho, para cuidados intensivos. E teremos que esperar que ele regresse... - Célia fechou os olhos novamente por um momento, pensando para si própria. Engoliu em seco e continuou - Eu sei o quanto tu queres vê-lo, mas não tem até agora permissão para ser visitado...
- Não faz sentido!
Célia não olhou Mateus nos olhos.
- Eu sei que não. Mas são as normas lá, diferente das nossas normas cá.
Mateus encolheu-se na sua cadeira.
- Hoje mesmo ligarei para ser actualizada e saber mais pormenores sobre ele. Já passaram cinco meses sim. Creio que possa ter melhorado muito... - Novamente, Célia desviou o olhar do seu filho enquanto contava o que também parecia não ser credível para ela própria.
- Porque teve ele que ir sem nos podermos despedir dele?
- Na altura foi uma emergência. Já falamos sobre isto, melhor que eu tu lembras-te disso.
Mateus recompôs-se.
- Eu sei... É que aconteceu tudo de uma vez só!
Entretanto, o funcionário de mesa aproximou-se.
- Vão desejar algo?
- Estamos a aguardar um pouco. Obrigado - sorriu Célia.
- Com licença, então - respondeu o funcionário.
Passaram dois minutos de silêncio.
- Temos tanto para falar, Mateus.
- Eu sei... - retribuiu ele.
Célia corrigiu a posição da sua cadeira e aproximou-se de Mateus.
- Como foi lidar com a rapariga real dos teus delírios?
- Diferente... - respondeu. Pausou para pensar - Foi tão estranho, sabes... Não é a mesma rapariga com que imaginei quase este tempo todo. E eu tenho noção de que não é...
- A rapariga da tua imaginação pode ter a mesma aparência que esta rapariga chamada Maria, mas a sua personalidade não é...
- Nem a sua voz...
- Exactamente. Tu conviveste com uma imaginação, uma criação tua. Nunca poderia ter as mesma qualidades e personalidade que a verdadeira.
- Eu sei, mãe, e foi isso que me confundiu mais naquele momento. Ao ver a mesma pessoa, saber que uma era ficção e a outra real e no entanto, esperei tudo o que havia vivido com a primeira mas... não era ela.
- É tão confuso, sim. É como conhecer algo novo que não esperavamos num amigo - finalizou Célia.
Os dois olharam-se.
Mateus repensou no que havia pensado nessa manhã. "Será que voltarei a ver a rapariga da minha imaginação?"...
- Mateus... gostava que me contasses sobre o que falaste sobre o pai.
- Não quero - respondeu levantando a voz e revirando os olhos.
Célia deu por entender que não insistiria. Mateus apercebeu-se e acalmou-se. Pensou durante alguns segundos e arrependeu-se.
- Uma altura, o pai contou-me um segredo...
- Eu sei - respondeu Célia.
- ... que ele tinha um "dom" parecido com o meu. E que uma maneira que ele tinha de o fazer parar ou abrandar era bebendo...
- Filho... porque nunca me contaste?
- Não sei... queria experimentar se resultava... Mas não resultou. Ele estava enganado e repara no que aconteceu, só piorou...
Célia colocou uma mão sobre a sua boca.
- Eu sei que errei. Agora sei...
Mateus continuava a ouvir música dentro de si. Célia retirou a mão da sua cara e agarrou a mão do seu filho.
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- Tarde 10 de Janeiro -
A caminho do café, para se encontrar com a sua mãe, como combinado, Mateus parou em frente a uma livraria. Na montra, olhando, viu um livro que lhe chamou a atenção. Um livro que havia lido por último.
Sorriu. Era um bom livro.
Ao chegar ao café, acenou ao funcionário de mesa e sentou-se no exterior, na esplanada. Mateus confortou-se na cadeira sem reparar em nada ou ninguém. Inspirou pela boca como quem queria soltar um grito, mas conteu e expirou calmamente.
A sua mãe ainda não havia chegado. Sozinho, relembrou e ouviu música como se revivesse um momento em lembranças.
Vários minutos se passaram.
- Como estás filho? - perguntou a mãe ao chegar perto dele.
Mateus estava distraído. Célia sentou-se ao seu lado e tocou-lhe no braço.
- Ah! Olá, mãe... Estou melhor... - respondeu modestamente.
Célia tirou o seu casaco e pendurou-o sobre a cadeira do lado. Pousou a sua mala no chão ao lado dos seus pés e retirou os óculos. Observou e Mateus continuava distraído e dividido no espaço.
- Conta-me o que se passou ontem no parque de estacionamento... - pediu gentilmente a mãe.
Mateus não respondeu. Célia fechou os olhos.
- Eu sei que ontem não deveria ter saído para um outro turno, mas eles precisavam muito de mim...
- Eu sei, compreendo...
- Mas agora estou aqui. E quero saber o que te está a acontecer desta vez.
Mateus olhou-a de relance.
- Como mãe, é claro... - afirmou Célia.
- Não sei - respondeu Mateus - Tu mesma me disseste que seria muito improvável ele ter saído do hospital no estado de saúde em que estava. Mas já passaram cinco meses e o Gonçalo...
- Eu já te tinha contado! - interrompeu ela - O Gonçalo foi transferido para fora do país, filho, para cuidados intensivos. E teremos que esperar que ele regresse... - Célia fechou os olhos novamente por um momento, pensando para si própria. Engoliu em seco e continuou - Eu sei o quanto tu queres vê-lo, mas não tem até agora permissão para ser visitado...
- Não faz sentido!
Célia não olhou Mateus nos olhos.
- Eu sei que não. Mas são as normas lá, diferente das nossas normas cá.
Mateus encolheu-se na sua cadeira.
- Hoje mesmo ligarei para ser actualizada e saber mais pormenores sobre ele. Já passaram cinco meses sim. Creio que possa ter melhorado muito... - Novamente, Célia desviou o olhar do seu filho enquanto contava o que também parecia não ser credível para ela própria.
- Porque teve ele que ir sem nos podermos despedir dele?
- Na altura foi uma emergência. Já falamos sobre isto, melhor que eu tu lembras-te disso.
Mateus recompôs-se.
- Eu sei... É que aconteceu tudo de uma vez só!
Entretanto, o funcionário de mesa aproximou-se.
- Vão desejar algo?
- Estamos a aguardar um pouco. Obrigado - sorriu Célia.
- Com licença, então - respondeu o funcionário.
Passaram dois minutos de silêncio.
- Temos tanto para falar, Mateus.
- Eu sei... - retribuiu ele.
Célia corrigiu a posição da sua cadeira e aproximou-se de Mateus.
- Como foi lidar com a rapariga real dos teus delírios?
- Diferente... - respondeu. Pausou para pensar - Foi tão estranho, sabes... Não é a mesma rapariga com que imaginei quase este tempo todo. E eu tenho noção de que não é...
- A rapariga da tua imaginação pode ter a mesma aparência que esta rapariga chamada Maria, mas a sua personalidade não é...
- Nem a sua voz...
- Exactamente. Tu conviveste com uma imaginação, uma criação tua. Nunca poderia ter as mesma qualidades e personalidade que a verdadeira.
- Eu sei, mãe, e foi isso que me confundiu mais naquele momento. Ao ver a mesma pessoa, saber que uma era ficção e a outra real e no entanto, esperei tudo o que havia vivido com a primeira mas... não era ela.
- É tão confuso, sim. É como conhecer algo novo que não esperavamos num amigo - finalizou Célia.
Os dois olharam-se.
Mateus repensou no que havia pensado nessa manhã. "Será que voltarei a ver a rapariga da minha imaginação?"...
- Mateus... gostava que me contasses sobre o que falaste sobre o pai.
- Não quero - respondeu levantando a voz e revirando os olhos.
Célia deu por entender que não insistiria. Mateus apercebeu-se e acalmou-se. Pensou durante alguns segundos e arrependeu-se.
- Uma altura, o pai contou-me um segredo...
- Eu sei - respondeu Célia.
- ... que ele tinha um "dom" parecido com o meu. E que uma maneira que ele tinha de o fazer parar ou abrandar era bebendo...
- Filho... porque nunca me contaste?
- Não sei... queria experimentar se resultava... Mas não resultou. Ele estava enganado e repara no que aconteceu, só piorou...
Célia colocou uma mão sobre a sua boca.
- Eu sei que errei. Agora sei...
Mateus continuava a ouvir música dentro de si. Célia retirou a mão da sua cara e agarrou a mão do seu filho.
Criado por Unknown
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