Rafael Braga

O efeito do defeito - Gabriela

Parte 6
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- Tarde 10 de Janeiro -

     "Afinal vão precisar de mim aqui no café. Como já não tenho a tarde livre não vamos poder estar juntos. Desculpa. Talvez amanhã. Beijo."

     Gabriela leu novamente a mensagem que havia recebido do seu amigo, na hora de almoço. Olhou mais uma vez em sua volta pelo parque e decidiu regressar a casa.

     - Voltei Soraia - falou em voz destinta pela casa.
     - "Oh não!... É a Gabi!... Que faço?"

     Uma outra voz, masculina, cambaleou.

     - "Não! Quem será?... vestir!... Que vergonha!... não esperava isto..."

     Gabriela sorriu por instantes e foi para o seu quarto para não haverem embaraços.

     - "Desculpa amiga..." - pensou Soraia para que ela a "escutasse".

     Gabriela arrumou o livro que havia deixado sobre a cama numa prateleira no seu armário. Tentou não "escutar" os dois enquuanto se atrapalhavam a vestir. Mas não o conseguiu.

     - "És tão lindo! Mas despacha-te, que vergonha!" - "escutou" mais uma vez Gabriela que sorriu.
     - "Não posso crer nisto... as sapatilhas..." - pensou a voz masculina - "Adoro... o teu cabelo assim... despenteado... perfeita... vou sentir a tua falta..."
     - "Que vai ela pensar..."

     Gabriela pressentiu a porta fechar. No mesmo instante, Soraia entrou no quarto de Gabriela, retocando o seu cabelo.

     - "Desculpa, sério... te ter contado mas... como saiste, pensei... que demorasses mais tempo..."
     - Não sejas parva - disse Gabriela.
     - "Onde foste... Que se passa?..."

     Gabriela olhou para a amiga.

     - Não me posso deixar ir a baixo por meras complicações Soraia.
     - "Isso mesmo... é isso que gosto... estou apaixonada..."

     Gabriela levantou-se e abraçou a sua amiga, sorrindo e apertando com força.

     - Vamos ao café do Vasco - sugeriu.
     - "Mas eu preciso arranjar-me... pentear-me... que sensação!..."

     Gabriela não conseguia parar de se sentir bem pela amiga. "Escuta-la" era tão gratificante na sua mudança constante de pensamentos. Sentia-se contente por Soraia, pois tinha a certeza que ele sentia o mesmo por ela.

     "Vamos ter contigo ao café agora. Beijos." Enviar mensagem.

     Ao chegarem ao café, Vasco servia um rapaz que se encontrava na esplanada.

     - "Gabriela... viste até aqui... não vou... poder sair ainda..." - pensou ele ao vê-la chegar - (Olá) - cumprimentou em gestos.
     - Olá Vasco. Viemos só tomar o lanche.
     - Olá Vasco - cumprimentou também Soraia.

     Gabriela e Soraia entraram e Vasco aproximou-se da mesa onde as raparigas se sentaram.

     - Olá, Gabi. Des-cul-pa - disse ele devagar.
     - Olá Soraia - cumprimentou - Diz à Gabriela que eu peço desculpa mas que ainda não posso sair.

     Soraia repetiu para Gabriela em gestos. Era a única forma de Vasco se poder comunicar com ela, apesar de Gabriela saber sempre o que ele pensava. Ele sabia que Gabriela era capaz de lhe ler os lábios mas por vezes tornava-se difícil quando as frases eram longas.

     - Não tem mal, Vasco, sério. Eu compreendo - respondeu Gabriela para Vasco.
     - Diz-lhe que amanhã terei o dia de folga e que poderemos sair para passearmos os três.

     Soraia voltou a fingir em gestos.

     - "Porque... não lhe contas... também?" - pensou Soraia.

     Gabriela não respondeu à pergunta.

     - Sim. Combinado Vasco. Amanhã, depois das aulas da Soraia.
     - Combinado. Que vão desejar?

     Enquanto Soraia pedia, Gabriela olhava pelo vidro do café para a rua e para a esplanada. Não havia mais ninguém naquele café a não ser elas, um casal de idosos e um rapaz na esplanada. Começou a sentir-se confusa. Um ligeiro zumbido pressionou os seus ouvidos enquanto tentava "escutar".

     Soraia tocou-lhe no braço para lhe chamar a atenção.

     - "Que se passa?" - pensou.
     - Sinto-me tonta...
     - "Como assim tonta?... pareces distraída..." pensou Soraia, enquanto fingia olhar distraída para os lados para não manter contacto com Gabriela que respondia em tom baixinho.
     - Senti um barulho diferente...
     - "Como... se tivesses ouvido? Será que...
     - Não sei.

     Vasco voltou à mesa com os lanches e os cafés.

     - Não posso estar muito tempo aqui convosco. O meu patrão está ali. Até já.

     Soraia acenou com a cabeça em afirmação.

     - Não lhe posso contar - disse Gabriela em voz baixa - Ele não é tão aberto como tu. Ia ser muito difícil para ele compreender. Não iria suportar "escutar" os pensamentos deles depois de saber o que eu consigo fazer. Não sei...
     - "Mas podias... tentar..."

     Gabriela tomou o seu café e em segundos petrificou.

     - "Gabi?" - chamou a amiga.

     Gabriela continuava com um ar de vazio, como uma estátua de pedra.

     - "Gariela! O que se passa?" - Soraia apercebendo-se que ela não a "escutava" agarrou-lhe um braço. Gabriela olhou-a nos olhos, quase em lágrimas e com um sorriso escondido.

     Soraia abanou a cabeça em sinal de interrogação.

     - Não posso acreditar... - disse em voz baixa e desacreditada - Estou a ouvir música!

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