O efeito do defeito - Gaspar
Parte 5
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- Manhã 10 de Janeiro -
A aula de matemática do primeiro turno estava a correr calmamente quando se deu uma explosão num edifício próximo. O alarme soou por todas as salas e corredores. Em segundos instalou-se o pânico.
- De pé rapazes! Formem uma fila e deixem todos os vossos objectos na sala - alertou o professor enquanto caminhava para a porta - Vamos sair com calma e sem correr.
Todos se levantaram e seguiram o professor.
- Que terá acontecido? A sala estremeceu com o barulho! - perguntou o pequeno Jorge.
- Parece ter vindo da cantina! - supôs o Duarte, convicto e assustado ao mesmo tempo.
Pelo corredor, as outras turmas saíam em fila das suas salas e seguiam todos a mesma direcção. Por vezes ouviam-se alguns gritos de pânico entre as conversas stressantes sem fim.
- Vamos todos em direcção ao pátio, pessoal, sem pressas nem empurrões - ordenou o professor de matemática.
- O que aconteceu? - perguntou o Jorge incrédulo.
O grande pátio em minutos se encheu de crianças de toda a instituição.
- Ainda não sabemos ao certo. Esperem aqui - ordenou outra vez.
Vários professores tentavam acalmar as crianças mais novas que choravam de medo. Dois funcionários traziam os ultimos rapazes que estavam a ter aula no ginásio, entre eles Gaspar e Samuel.
- Sam! Gaspar! Estamos aqui! - gritou Jorge levantando os braços no ar.
- Meu! Ouviste o estrondo?
- Estavamos no ginásio ao pé da cantina quando sentimos a explusão! Estremeceu tudo! - explicou Samuel.
- Eu disse que a explosão veio de lá! - afirmou Duarte.
- Veio mesmo da cantina - concluíu Gaspar, olhando em sua volta para todas as crianças ocuparem o enorme pátio longe dos edifícios.
- Que terá sido? - perguntou Jorge.
- Fuga de gás, acho que é óbvio - respondeu um outro rapaz aproximando-se.
- Raúl! Como estás? - cumprimentaram os rapazes.
- É possivel, aquela cozinha estava a precisar de uns arranjos! - disse Jorge exaltado.
Uma mulher com uma capa escura aproximou de todos carregando nas mãos um megafone. Era a directora da escola do orfanato. De seguida os professores pediram a todos os alunos para a ouvirem com atenção.
- Bom dia crianças! - falou em voz alta e aumentada pelo aparelho - Um incidente ocorreu há pouco na cantina. Os bombeiros estão no seu caminho para aqui e tudo será resolvido. Felizmente ninguém estava na cantina no momento da explusão. Supomos que tenha sido uma fuga de gás que tenha causado a explosão. Peço a todos vocês que mantenham a calma e que permaneçam aqui até os bombeiros chegarem e resolverem o problema.
Logo após, ouviram-se as sirenes e de imediato uma equipa de bombeiros correu com os seus equipamentos para o local.
- Gaspar! - gritou Sam, apontando para o edifício da cantina.
Um fumo negro elevava-se no céu vindo das janelas das cozinhas. O camião vermelho, entre várias manobras, aproximou-se do edifício e os bombeiros interviram em segundos com as mangueira de água.
Passaram duas horas até o fumo ter desaparecido e a cantina ser livre de perigo. Poucos minutos a seguir a polícia chegou para investigar. Depois de uma longa explicação da directora, todas as crianças e professores retomaram as salas e continuaram com as aulas. Samuel, Gaspar, Duarte, Jorge e Raúl decidiram aproximarem-se da cantina para observarem de perto e matar a curiosidade.
- Olha como está tudo queimado e destruído! - surpreendeu-se Jorge.
- Olhem, são investigadores! - apontou Samuel.
Gaspar sentiu-se nervoso e ansioso, não parava de olhar em sua volta.
- O que estão aqui a fazer, rapazes? Não podem estar aqui! - perguntou o funcionário do ginásio.
- Viemos só buscar as mochilas e os equipamentos de ginástica, senhor Gustávo - respondeu habilmente Samuel.
- Rápido, então, e voltem para as aulas!
Na sala de aula, as conversas eram repetitivas e acabavam todas no mesmo tema: a explusão na cantina. Muitos dos rapazes sentiam receio. Outros preocupavam-se com o almoço. Mas Gaspar parecia desligado do acontecimento.
- Porque terá vindo aqui a polícia? - perguntou Duarte, virando-se para trás.
- Não faço ideia... Meu, estás bem? - perguntou Samuel tocando no braço de Gaspar - pareces cansado ou enjoado.
- Não sei, deve ter sido do susto - respondeu, escorregando um sorriso - Acho que preciso de apanhar ar.
Com autorização do professor, Gaspar saiu da sala, sozinho.
Ao entrar na casa de banho lavou a cara e sentou-se a pensar. Ao sair, espreitou pela porta. Não havendo ninguém nos corredores caminhou ligeiramente até sair do edifício. Deu a volta pela traseira para não ser visto e correu em direcção à cantina. Apenas o senhor Gustávo rondava o local. Nada que dificultasse a entrada na cantina, mesmo assim Gaspar estava atento e agia com cuidado.
A dada altura, o senhor Gostavo afastou-se o suficiente para que Gaspar podesse atravessar o pátio e entrar pelas traseiras. Correu sem abrandar no momento certo até chegar à lateral oposta. Espreitou por uma janela com os vidros quebrados e aproximou-se...
- "Hei! Quem és tu?" - gritou em dor uma voz vinda do interior dos destroços.
Gaspar aterrorizou-se. Afastou-se da janela e sentou-se no chão.
- "Tu vês-me?" - continuou - "Nenhum daqueles polícias me viu, mas tu sim! Eu vi como me olhaste nos olhos!"
Gaspar paralizou de cabeça encostada na parede e olhos fechados durante segundos. No entanto, parou para pensar que não reconhecia a rapariga do orfanato. Respondeu naturalmente.
- Sim...
- "Tenho tanto medo!" - a voz estremecia e parecia chorar - "Não consigo ver o meu corpo!"
Gaspar ouviu o choro agoniado da rapariga do outro lado da parede.
- Quem és tu e o que te passou pela cabeça para teres estado na cantina? - perguntou.
- "Não sei... Não sei!"
Para Gaspar, o choro que ouvia parecia tornar-se mais físico que psicológico, como uma dor real.
Num piscar de olhos, Gaspar apercebeu-se que estava sozinho.
- Hei! Não podes estar aqui! - gritou o funcionário - Não devias estar nas aulas?
Gaspar levantou-se mas não respondeu.
- Rapaz, não podes estar aqui, foste avisado! Anda, tenho que te levar ao conselho.
Gaspar esperava no banco de espera à porta do escritório da directora. Apenas pensava na rapariga desconhecida e no que havia acontecido que nem tinha reflectido no que estaria ele ali à espera. Entretanto uma secretária trazia uma mensagem.
- Gaspar? - perguntou a mulher.
- Sim?
- Está lá embaixo uma pessoa que precisa falar contigo. Eu aviso a directora.
Gaspar desceu até ao portão de saída, controlado por um funcionário guarda. Do outro lado do portão esperava um homem alto e moreno. Vestido completamente de negro.
- Olá Gaspar - cumprimentou gentilmente.
- Como sabe o meu nome?
- Isso não importa agora. O que importa é que eu sei que tu queres sair daqui.
Gaspar olhou-o com mais atenção, mas desconfiando mais ainda.
- Eu sei que tens um segredo e quero ajudar-te. Não tens que me responder. Apenas ouve-me.
- Quem é o senhor? - perguntou indignado numa voz grossa para a sua idade.
- Um amigo. Um amigo que já ajudou alguém a sair do mesmo orfanato que o teu.
Gaspar negou com a cabeça sem desviar o olhar.
- Gaspar, esta noite, a energia eléctrica do orfanato para o qual regressam todos os dias será desligada. Será tua a decisão de ficares ou fugires. Aquilo que sempre quiseste mas nunca conseguiste sozinho.
- Como sabe isso tudo? Nem o conheço!
- Conhecerás. E muitos outros como tu - afastando-se do portão, desviou o olhar para o guarda - O meu nome é Raphael. Ficarei à tua espera.
Gaspar permaneceu no portão, vendo o homem misterioso partindo.
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- Manhã 10 de Janeiro -
A aula de matemática do primeiro turno estava a correr calmamente quando se deu uma explosão num edifício próximo. O alarme soou por todas as salas e corredores. Em segundos instalou-se o pânico.
- De pé rapazes! Formem uma fila e deixem todos os vossos objectos na sala - alertou o professor enquanto caminhava para a porta - Vamos sair com calma e sem correr.
Todos se levantaram e seguiram o professor.
- Que terá acontecido? A sala estremeceu com o barulho! - perguntou o pequeno Jorge.
- Parece ter vindo da cantina! - supôs o Duarte, convicto e assustado ao mesmo tempo.
Pelo corredor, as outras turmas saíam em fila das suas salas e seguiam todos a mesma direcção. Por vezes ouviam-se alguns gritos de pânico entre as conversas stressantes sem fim.
- Vamos todos em direcção ao pátio, pessoal, sem pressas nem empurrões - ordenou o professor de matemática.
- O que aconteceu? - perguntou o Jorge incrédulo.
O grande pátio em minutos se encheu de crianças de toda a instituição.
- Ainda não sabemos ao certo. Esperem aqui - ordenou outra vez.
Vários professores tentavam acalmar as crianças mais novas que choravam de medo. Dois funcionários traziam os ultimos rapazes que estavam a ter aula no ginásio, entre eles Gaspar e Samuel.
- Sam! Gaspar! Estamos aqui! - gritou Jorge levantando os braços no ar.
- Meu! Ouviste o estrondo?
- Estavamos no ginásio ao pé da cantina quando sentimos a explusão! Estremeceu tudo! - explicou Samuel.
- Eu disse que a explosão veio de lá! - afirmou Duarte.
- Veio mesmo da cantina - concluíu Gaspar, olhando em sua volta para todas as crianças ocuparem o enorme pátio longe dos edifícios.
- Que terá sido? - perguntou Jorge.
- Fuga de gás, acho que é óbvio - respondeu um outro rapaz aproximando-se.
- Raúl! Como estás? - cumprimentaram os rapazes.
- É possivel, aquela cozinha estava a precisar de uns arranjos! - disse Jorge exaltado.
Uma mulher com uma capa escura aproximou de todos carregando nas mãos um megafone. Era a directora da escola do orfanato. De seguida os professores pediram a todos os alunos para a ouvirem com atenção.
- Bom dia crianças! - falou em voz alta e aumentada pelo aparelho - Um incidente ocorreu há pouco na cantina. Os bombeiros estão no seu caminho para aqui e tudo será resolvido. Felizmente ninguém estava na cantina no momento da explusão. Supomos que tenha sido uma fuga de gás que tenha causado a explosão. Peço a todos vocês que mantenham a calma e que permaneçam aqui até os bombeiros chegarem e resolverem o problema.
Logo após, ouviram-se as sirenes e de imediato uma equipa de bombeiros correu com os seus equipamentos para o local.
- Gaspar! - gritou Sam, apontando para o edifício da cantina.
Um fumo negro elevava-se no céu vindo das janelas das cozinhas. O camião vermelho, entre várias manobras, aproximou-se do edifício e os bombeiros interviram em segundos com as mangueira de água.
Passaram duas horas até o fumo ter desaparecido e a cantina ser livre de perigo. Poucos minutos a seguir a polícia chegou para investigar. Depois de uma longa explicação da directora, todas as crianças e professores retomaram as salas e continuaram com as aulas. Samuel, Gaspar, Duarte, Jorge e Raúl decidiram aproximarem-se da cantina para observarem de perto e matar a curiosidade.
- Olha como está tudo queimado e destruído! - surpreendeu-se Jorge.
- Olhem, são investigadores! - apontou Samuel.
Gaspar sentiu-se nervoso e ansioso, não parava de olhar em sua volta.
- O que estão aqui a fazer, rapazes? Não podem estar aqui! - perguntou o funcionário do ginásio.
- Viemos só buscar as mochilas e os equipamentos de ginástica, senhor Gustávo - respondeu habilmente Samuel.
- Rápido, então, e voltem para as aulas!
Na sala de aula, as conversas eram repetitivas e acabavam todas no mesmo tema: a explusão na cantina. Muitos dos rapazes sentiam receio. Outros preocupavam-se com o almoço. Mas Gaspar parecia desligado do acontecimento.
- Porque terá vindo aqui a polícia? - perguntou Duarte, virando-se para trás.
- Não faço ideia... Meu, estás bem? - perguntou Samuel tocando no braço de Gaspar - pareces cansado ou enjoado.
- Não sei, deve ter sido do susto - respondeu, escorregando um sorriso - Acho que preciso de apanhar ar.
Com autorização do professor, Gaspar saiu da sala, sozinho.
Ao entrar na casa de banho lavou a cara e sentou-se a pensar. Ao sair, espreitou pela porta. Não havendo ninguém nos corredores caminhou ligeiramente até sair do edifício. Deu a volta pela traseira para não ser visto e correu em direcção à cantina. Apenas o senhor Gustávo rondava o local. Nada que dificultasse a entrada na cantina, mesmo assim Gaspar estava atento e agia com cuidado.
A dada altura, o senhor Gostavo afastou-se o suficiente para que Gaspar podesse atravessar o pátio e entrar pelas traseiras. Correu sem abrandar no momento certo até chegar à lateral oposta. Espreitou por uma janela com os vidros quebrados e aproximou-se...
- "Hei! Quem és tu?" - gritou em dor uma voz vinda do interior dos destroços.
Gaspar aterrorizou-se. Afastou-se da janela e sentou-se no chão.
- "Tu vês-me?" - continuou - "Nenhum daqueles polícias me viu, mas tu sim! Eu vi como me olhaste nos olhos!"
Gaspar paralizou de cabeça encostada na parede e olhos fechados durante segundos. No entanto, parou para pensar que não reconhecia a rapariga do orfanato. Respondeu naturalmente.
- Sim...
- "Tenho tanto medo!" - a voz estremecia e parecia chorar - "Não consigo ver o meu corpo!"
Gaspar ouviu o choro agoniado da rapariga do outro lado da parede.
- Quem és tu e o que te passou pela cabeça para teres estado na cantina? - perguntou.
- "Não sei... Não sei!"
Para Gaspar, o choro que ouvia parecia tornar-se mais físico que psicológico, como uma dor real.
Num piscar de olhos, Gaspar apercebeu-se que estava sozinho.
- Hei! Não podes estar aqui! - gritou o funcionário - Não devias estar nas aulas?
Gaspar levantou-se mas não respondeu.
- Rapaz, não podes estar aqui, foste avisado! Anda, tenho que te levar ao conselho.
Gaspar esperava no banco de espera à porta do escritório da directora. Apenas pensava na rapariga desconhecida e no que havia acontecido que nem tinha reflectido no que estaria ele ali à espera. Entretanto uma secretária trazia uma mensagem.
- Gaspar? - perguntou a mulher.
- Sim?
- Está lá embaixo uma pessoa que precisa falar contigo. Eu aviso a directora.
Gaspar desceu até ao portão de saída, controlado por um funcionário guarda. Do outro lado do portão esperava um homem alto e moreno. Vestido completamente de negro.
- Olá Gaspar - cumprimentou gentilmente.
- Como sabe o meu nome?
- Isso não importa agora. O que importa é que eu sei que tu queres sair daqui.
Gaspar olhou-o com mais atenção, mas desconfiando mais ainda.
- Eu sei que tens um segredo e quero ajudar-te. Não tens que me responder. Apenas ouve-me.
- Quem é o senhor? - perguntou indignado numa voz grossa para a sua idade.
- Um amigo. Um amigo que já ajudou alguém a sair do mesmo orfanato que o teu.
Gaspar negou com a cabeça sem desviar o olhar.
- Gaspar, esta noite, a energia eléctrica do orfanato para o qual regressam todos os dias será desligada. Será tua a decisão de ficares ou fugires. Aquilo que sempre quiseste mas nunca conseguiste sozinho.
- Como sabe isso tudo? Nem o conheço!
- Conhecerás. E muitos outros como tu - afastando-se do portão, desviou o olhar para o guarda - O meu nome é Raphael. Ficarei à tua espera.
Gaspar permaneceu no portão, vendo o homem misterioso partindo.
Criado por Unknown
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