Rafael Braga

O efeito do defeito - Gaspar

Parte 5
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- Manhã 10 de Janeiro -


     A aula de matemática do primeiro turno estava a correr calmamente quando se deu uma explosão num edifício próximo. O alarme soou por todas as salas e corredores. Em segundos instalou-se o pânico.

     - De pé rapazes! Formem uma fila e deixem todos os vossos objectos na sala - alertou o professor enquanto caminhava para a porta - Vamos sair com calma e sem correr.

     Todos se levantaram e seguiram o professor.

     - Que terá acontecido? A sala estremeceu com o barulho! - perguntou o pequeno Jorge.
     - Parece ter vindo da cantina! - supôs o Duarte, convicto e assustado ao mesmo tempo.

     Pelo corredor, as outras turmas saíam em fila das suas salas e seguiam todos a mesma direcção. Por vezes ouviam-se alguns gritos de pânico entre as conversas stressantes sem fim.

     - Vamos todos em direcção ao pátio, pessoal, sem pressas nem empurrões - ordenou o professor de matemática.
     - O que aconteceu? - perguntou o Jorge incrédulo.

     O grande pátio em minutos se encheu de crianças de toda a instituição.

     - Ainda não sabemos ao certo. Esperem aqui - ordenou outra vez.

     Vários professores tentavam acalmar as crianças mais novas que choravam de medo. Dois funcionários traziam os ultimos rapazes que estavam a ter aula no ginásio, entre eles Gaspar e Samuel.

     - Sam! Gaspar! Estamos aqui! - gritou Jorge levantando os braços no ar.
     - Meu! Ouviste o estrondo?
     - Estavamos no ginásio ao pé da cantina quando sentimos a explusão! Estremeceu tudo! - explicou Samuel.
     - Eu disse que a explosão veio de lá! - afirmou Duarte.
     - Veio mesmo da cantina - concluíu Gaspar, olhando em sua volta para todas as crianças ocuparem o enorme pátio longe dos edifícios.
     - Que terá sido? - perguntou Jorge.
     - Fuga de gás, acho que é óbvio - respondeu um outro rapaz aproximando-se.
     - Raúl! Como estás? - cumprimentaram os rapazes.
     - É possivel, aquela cozinha estava a precisar de uns arranjos! - disse Jorge exaltado.

     Uma mulher com uma capa escura aproximou de todos carregando nas mãos um megafone. Era a directora da escola do orfanato. De seguida os professores pediram a todos os alunos para a ouvirem com atenção.

     - Bom dia crianças! - falou em voz alta e aumentada pelo aparelho - Um incidente ocorreu há pouco na cantina. Os bombeiros estão no seu caminho para aqui e tudo será resolvido. Felizmente ninguém estava na cantina no momento da explusão. Supomos que tenha sido uma fuga de gás que tenha causado a explosão. Peço a todos vocês que mantenham a calma e que permaneçam aqui até os bombeiros chegarem e resolverem o problema.

     Logo após, ouviram-se as sirenes e de imediato uma equipa de bombeiros correu com os seus equipamentos para o local.

     - Gaspar! - gritou Sam, apontando para o edifício da cantina.

     Um fumo negro elevava-se no céu vindo das janelas das cozinhas. O camião vermelho, entre várias manobras, aproximou-se do edifício e os bombeiros interviram em segundos com as mangueira de água.

     Passaram duas horas até o fumo ter desaparecido e a cantina ser livre de perigo. Poucos minutos a seguir a polícia chegou para investigar. Depois de uma longa explicação da directora, todas as crianças e professores retomaram as salas e continuaram com as aulas. Samuel, Gaspar, Duarte, Jorge e Raúl decidiram aproximarem-se da cantina para observarem de perto e matar a curiosidade.

     - Olha como está tudo queimado e destruído! - surpreendeu-se Jorge.
     - Olhem, são investigadores! - apontou Samuel.

     Gaspar sentiu-se nervoso e ansioso, não parava de olhar em sua volta.

     - O que estão aqui a fazer, rapazes? Não podem estar aqui! - perguntou o funcionário do ginásio.
     - Viemos só buscar as mochilas e os equipamentos de ginástica, senhor Gustávo - respondeu habilmente Samuel.
     - Rápido, então, e voltem para as aulas!

     Na sala de aula, as conversas eram repetitivas e acabavam todas no mesmo tema: a explusão na cantina. Muitos dos rapazes sentiam receio. Outros preocupavam-se com o almoço. Mas Gaspar parecia desligado do acontecimento.

     - Porque terá vindo aqui a polícia? - perguntou Duarte, virando-se para trás.
     - Não faço ideia... Meu, estás bem? - perguntou Samuel tocando no braço de Gaspar - pareces cansado ou enjoado.
     - Não sei, deve ter sido do susto - respondeu, escorregando um sorriso - Acho que preciso de apanhar ar.

     Com autorização do professor, Gaspar saiu da sala, sozinho.

     Ao entrar na casa de banho lavou a cara e sentou-se a pensar. Ao sair, espreitou pela porta. Não havendo ninguém nos corredores caminhou ligeiramente até sair do edifício. Deu a volta pela traseira para não ser visto e correu em direcção à cantina. Apenas o senhor Gustávo rondava o local. Nada que dificultasse a entrada na cantina, mesmo assim Gaspar estava atento e agia com cuidado.

     A dada altura, o senhor Gostavo afastou-se o suficiente para que Gaspar podesse atravessar o pátio e entrar pelas traseiras. Correu sem abrandar no momento certo até chegar à lateral oposta. Espreitou por uma janela com os vidros quebrados e aproximou-se...

     - "Hei! Quem és tu?" - gritou em dor uma voz vinda do interior dos destroços.

     Gaspar aterrorizou-se. Afastou-se da janela e sentou-se no chão.

     - "Tu vês-me?" - continuou - "Nenhum daqueles polícias me viu, mas tu sim! Eu vi como me olhaste nos olhos!"

     Gaspar paralizou de cabeça encostada na parede e olhos fechados durante segundos. No entanto, parou para pensar que não reconhecia a rapariga do orfanato. Respondeu naturalmente.

     - Sim...
     - "Tenho tanto medo!" - a voz estremecia e parecia chorar - "Não consigo ver o meu corpo!"

     Gaspar ouviu o choro agoniado da rapariga do outro lado da parede.

     - Quem és tu e o que te passou pela cabeça para teres estado na cantina? - perguntou.
     - "Não sei... Não sei!"

     Para Gaspar, o choro que ouvia parecia tornar-se mais físico que psicológico, como uma dor real.

     Num piscar de olhos, Gaspar apercebeu-se que estava sozinho.

     - Hei! Não podes estar aqui! - gritou o funcionário - Não devias estar nas aulas?

     Gaspar levantou-se mas não respondeu.

     - Rapaz, não podes estar aqui, foste avisado! Anda, tenho que te levar ao conselho.

     Gaspar esperava no banco de espera à porta do escritório da directora. Apenas pensava na rapariga desconhecida e no que havia acontecido que nem tinha reflectido no que estaria ele ali à espera. Entretanto uma secretária trazia uma mensagem.

     - Gaspar? - perguntou a mulher.
     - Sim?
     - Está lá embaixo uma pessoa que precisa falar contigo. Eu aviso a directora.

     Gaspar desceu até ao portão de saída, controlado por um funcionário guarda. Do outro lado do portão esperava um homem alto e moreno. Vestido completamente de negro.

     - Olá Gaspar - cumprimentou gentilmente.
     - Como sabe o meu nome?
     - Isso não importa agora. O que importa é que eu sei que tu queres sair daqui.

     Gaspar olhou-o com mais atenção, mas desconfiando mais ainda.

     - Eu sei que tens um segredo e quero ajudar-te. Não tens que me responder. Apenas ouve-me.
     - Quem é o senhor? - perguntou indignado numa voz grossa para a sua idade.
     - Um amigo. Um amigo que já ajudou alguém a sair do mesmo orfanato que o teu.

     Gaspar negou com a cabeça sem desviar o olhar.

     - Gaspar, esta noite, a energia eléctrica do orfanato para o qual regressam todos os dias será desligada. Será tua a decisão de ficares ou fugires. Aquilo que sempre quiseste mas nunca conseguiste sozinho.
     - Como sabe isso tudo? Nem o conheço!
     - Conhecerás. E muitos outros como tu - afastando-se do portão, desviou o olhar para o guarda - O meu nome é Raphael. Ficarei à tua espera.

     Gaspar permaneceu no portão, vendo o homem misterioso partindo.

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