Rafael Braga

O efeito do defeito - Mateus

Parte 6
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- Tarde 10 de Janeiro -


     A caminho do café, para se encontrar com a sua mãe, como combinado, Mateus parou em frente a uma livraria. Na montra, olhando, viu um livro que lhe chamou a atenção. Um livro que havia lido por último.

     Sorriu. Era um bom livro.

     Ao chegar ao café, acenou ao funcionário de mesa e sentou-se no exterior, na esplanada. Mateus confortou-se na cadeira sem reparar em nada ou ninguém. Inspirou pela boca como quem queria soltar um grito, mas conteu e expirou calmamente.

     A sua mãe ainda não havia chegado. Sozinho, relembrou e ouviu música como se revivesse um momento em lembranças.

     Vários minutos se passaram.

     - Como estás filho? - perguntou a mãe ao chegar perto dele.

     Mateus estava distraído. Célia sentou-se ao seu lado e tocou-lhe no braço.

     - Ah! Olá, mãe... Estou melhor... - respondeu modestamente.

     Célia tirou o seu casaco e pendurou-o sobre a cadeira do lado. Pousou a sua mala no chão ao lado dos seus pés e retirou os óculos. Observou e Mateus continuava distraído e dividido no espaço.

     - Conta-me o que se passou ontem no parque de estacionamento... - pediu gentilmente a mãe.

     Mateus não respondeu. Célia fechou os olhos.

     - Eu sei que ontem não deveria ter saído para um outro turno, mas eles precisavam muito de mim...
     - Eu sei, compreendo...
     - Mas agora estou aqui. E quero saber o que te está a acontecer desta vez.

     Mateus olhou-a de relance.

     - Como mãe, é claro... - afirmou Célia.
     - Não sei - respondeu Mateus - Tu mesma me disseste que seria muito improvável ele ter saído do hospital no estado de saúde em que estava. Mas já passaram cinco meses e o Gonçalo...
     - Eu já te tinha contado! - interrompeu ela - O Gonçalo foi transferido para fora do país, filho, para cuidados intensivos. E teremos que esperar que ele regresse... - Célia fechou os olhos novamente por um momento, pensando para si própria. Engoliu em seco e continuou - Eu sei o quanto tu queres vê-lo, mas não tem até agora permissão para ser visitado...
     - Não faz sentido!

     Célia não olhou Mateus nos olhos.

     - Eu sei que não. Mas são as normas lá, diferente das nossas normas cá.

     Mateus encolheu-se na sua cadeira.

     - Hoje mesmo ligarei para ser actualizada e saber mais pormenores sobre ele. Já passaram cinco meses sim. Creio que possa ter melhorado muito... - Novamente, Célia desviou o olhar do seu filho enquanto contava o que também parecia não ser credível para ela própria.

     - Porque teve ele que ir sem nos podermos despedir dele?
     - Na altura foi uma emergência. Já falamos sobre isto, melhor que eu tu lembras-te disso.

     Mateus recompôs-se.

     - Eu sei... É que aconteceu tudo de uma vez só!

     Entretanto, o funcionário de mesa aproximou-se.

     - Vão desejar algo?
     - Estamos a aguardar um pouco. Obrigado - sorriu Célia.
     - Com licença, então - respondeu o funcionário.

     Passaram dois minutos de silêncio.

     - Temos tanto para falar, Mateus.
     - Eu sei... - retribuiu ele.

     Célia corrigiu a posição da sua cadeira e aproximou-se de Mateus.

     - Como foi lidar com a rapariga real dos teus delírios?
     - Diferente... - respondeu. Pausou para pensar - Foi tão estranho, sabes... Não é a mesma rapariga com que imaginei quase este tempo todo. E eu tenho noção de que não é...
     - A rapariga da tua imaginação pode ter a mesma aparência que esta rapariga chamada Maria, mas a sua personalidade não é...
     - Nem a sua voz...
     - Exactamente. Tu conviveste com uma imaginação, uma criação tua. Nunca poderia ter as mesma qualidades e personalidade que a verdadeira.
     - Eu sei, mãe, e foi isso que me confundiu mais naquele momento. Ao ver a mesma pessoa, saber que uma era ficção e a outra real e no entanto, esperei tudo o que havia vivido com a primeira mas... não era ela.
     - É tão confuso, sim. É como conhecer algo novo que não esperavamos num amigo - finalizou Célia.

     Os dois olharam-se.

     Mateus repensou no que havia pensado nessa manhã. "Será que voltarei a ver a rapariga da minha imaginação?"...

     - Mateus... gostava que me contasses sobre o que falaste sobre o pai.
     - Não quero - respondeu levantando a voz e revirando os olhos.

     Célia deu por entender que não insistiria. Mateus apercebeu-se e acalmou-se. Pensou durante alguns segundos e arrependeu-se.

     - Uma altura, o pai contou-me um segredo...
     - Eu sei - respondeu Célia.
     - ... que ele tinha um "dom" parecido com o meu. E que uma maneira que ele tinha de o fazer parar ou abrandar era bebendo...
     - Filho... porque nunca me contaste?
     - Não sei... queria experimentar se resultava... Mas não resultou. Ele estava enganado e repara no que aconteceu, só piorou...

     Célia colocou uma mão sobre a sua boca.

     - Eu sei que errei. Agora sei...

     Mateus continuava a ouvir música dentro de si. Célia retirou a mão da sua cara e agarrou a mão do seu filho.

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