O efeito do defeito - Gonçalo
Parte 5
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- Tarde 10 de Janeiro -
Meio dia havia passado. Gonçalo adormecera depois da noite em branco. As últimas noites não estavam a ser agradáveis e dormir o necessário tornava-se um castigo. Gonçalo sentia a falta das noites em branco na companhia do seu companheiro de rua, Fábio.
Acordou. O seu corpo parecia anestesiado.
O ambiente no quarto do motel era quente e abafado, um ar seco e um pouco poeirento, reluzente por entre as faixas de claridade vindas do exterior através da janela semi-aberta. As decorações pobres e baratas tornavam o quarto esquecido e desabitado por décadas.
Gonçalo levantou-se. O quarto de banho ao lado da divisão era pequeno e pouco higiénico. Enxaguou as mãos e lavou a cara. Voltou ao quarto e retirou o saco com o dinheiro debaixo do colchão. Levantou o seu casaco preto no ar, voltou-se para a luz e esta trespassou o tecido desgastado e rasgado.
Desceu pelas escadas até ao balcão de entrada e entregou a sua chave. Pagou a estadia no mesmo acto. O senhorio, com cara de poucos amigos e desfigurada de um dos lados, guardou o dinheiro como um mendigo esconde o seu último pedaço de pão.
Nas ruas, Gonçalo deparou-se comuma loja fora do centro das atenções. Entrou e logo observou a disposição dos corredores e das câmaras de vigilância. Escolheu um novo casaco, semelhante ao seu. Agarrou aleatoriamente num par de calças e de seguida roupa interior. Dirigiu-se imediatamente pelo balcão e saiu da loja sem dar nas vistas, mantendo um ar de naturalidade.
- Gonçalo...? - chamou-o.
Não queria acreditar na voz, surpreendeu-lhe a lembrança. Por isso, voltou-se sem hesitar.
À sua frente, a imagem famíliar vestida de negro surpreendeu-lhe a vista.
- Raphael! - respondeu-lhe Gonçalo com um sorriso nos lábios.
- Sim. Como prometido, aqui estou eu.
- Porque levou tanto tempo?! - perguntou num tom despercebido de revolta.
Gonçalo abraçou-o sem receber uma resposta.
- Gonçalo, porque roubaste esta roupa se tens dinheiro contigo?
Gonçalo envergonhou-se de olhos postos no chão. O homem de negro colocou-lhe uma mão sobre o ombro e direcionou-o pela rua. Os dois começaram a caminhar.
- Veio para me mostrar o que aconteceu realmente com a minha família? - perguntou Gonçalo, esperando uma resposta clara e directa.
- Tudo a seu tempo, Gonçalo - disse Raphael misteriosamente.
Gonçalo parou e Raphael deu mais dois passos, voltando-se depois para ele.
- Contudo, preciso da tua ajuda.
- Da minha ajuda? - perguntou Gonçalo, curioso e ao mesmo tempo impaciente.
- Sim - pausou - há um rapaz muito especial com quem te deves encontrar com ele esta noite - disse, entregando para Gonçalo uma chave de um automóvel.
- Como assim, especial? Como eu?
- Sim. Mas... - e sorrindo - diferente. É ele quem te vai ajudar a descobrir. Eu sei que vai. E preciso que nos vás buscar.
- Não estou a compreender.
Os dois continuaram a falar e a caminhar pela rua até ao parque do centro.
- Está ali ao fundo, à entrada deste parque. É um carro preto e tem uma mochila na bagageira que precisarás dela mais tarde. A morada e a hora está no porta-luvas.
- Mas...
- Tudo a seu tempo, Gonçalo. Preciso que confies em mim. Eu prometi-te e estou a cumprir. Com o tempo compreenderás.
Raphael afastou-se.
- Tanto como tu, eu também quero descobrir a verdade.
Gonçalo permaneceu no parque, com as roupas nos seus braços, vendo o homem partir.
Quando veio a si, apressou-se em direcção ao carro. Distraído, embateu com duas raparigas. As roupas caíram sobre o chão, assim como as chaves do automóvel.
- Peço imensa desculpa - disse uma das raparigas.
- Não... faz mal - balbuciou enquanto se organizava.
Enquanto pegava nas suas roupas, a menina mais nova deu-lhe para a mão a chave.
- Obrigado... - agradeceu. Olhando para a menina, Gonçalo petrificou. O ambiente do parque tornou-se silêncioso e sufocante. Agarrou as suas roupas num acto abrutalhado e correu sem explicação.
Entrou no carro e atirou as suas roupas para os bancos de trás. Esfregou a cara com as duas mãos como se algo lhe estivesse a agarrar. Gonçalo estava a experienciar medo e, sobretudo, culpa... Após o ter feito com tanta força e sem se aperceber, uma linha de sangue escorria-lhe por um lado da cara. Tinha-se arranhado com as próprias mãos.
"Não posso crer...", pensou para si, "Como pode isto acontecer...?"
Gonçalo tremia das mãos. Nem nas chaves conseguia segurar. Reencostou-se no banco e tentou relaxar. "Como pude ter feito uma coisa daquelas e fugir..." O seu mundo estava a virar do avesso e a tornar-se cada vez mais pesado. Sentia a adrenalina correr-lhe pelo corpo, fazendo tremer ainda mais.
Olhou pelo retrovisor e observou o seu reflexo nele. A ferida sarou-se em segundos, mas o sangue secou na sua cara. A sua expressão era de revolta.
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- Tarde 10 de Janeiro -
Meio dia havia passado. Gonçalo adormecera depois da noite em branco. As últimas noites não estavam a ser agradáveis e dormir o necessário tornava-se um castigo. Gonçalo sentia a falta das noites em branco na companhia do seu companheiro de rua, Fábio.
Acordou. O seu corpo parecia anestesiado.
O ambiente no quarto do motel era quente e abafado, um ar seco e um pouco poeirento, reluzente por entre as faixas de claridade vindas do exterior através da janela semi-aberta. As decorações pobres e baratas tornavam o quarto esquecido e desabitado por décadas.
Gonçalo levantou-se. O quarto de banho ao lado da divisão era pequeno e pouco higiénico. Enxaguou as mãos e lavou a cara. Voltou ao quarto e retirou o saco com o dinheiro debaixo do colchão. Levantou o seu casaco preto no ar, voltou-se para a luz e esta trespassou o tecido desgastado e rasgado.
Desceu pelas escadas até ao balcão de entrada e entregou a sua chave. Pagou a estadia no mesmo acto. O senhorio, com cara de poucos amigos e desfigurada de um dos lados, guardou o dinheiro como um mendigo esconde o seu último pedaço de pão.
Nas ruas, Gonçalo deparou-se comuma loja fora do centro das atenções. Entrou e logo observou a disposição dos corredores e das câmaras de vigilância. Escolheu um novo casaco, semelhante ao seu. Agarrou aleatoriamente num par de calças e de seguida roupa interior. Dirigiu-se imediatamente pelo balcão e saiu da loja sem dar nas vistas, mantendo um ar de naturalidade.
- Gonçalo...? - chamou-o.
Não queria acreditar na voz, surpreendeu-lhe a lembrança. Por isso, voltou-se sem hesitar.
À sua frente, a imagem famíliar vestida de negro surpreendeu-lhe a vista.
- Raphael! - respondeu-lhe Gonçalo com um sorriso nos lábios.
- Sim. Como prometido, aqui estou eu.
- Porque levou tanto tempo?! - perguntou num tom despercebido de revolta.
Gonçalo abraçou-o sem receber uma resposta.
- Gonçalo, porque roubaste esta roupa se tens dinheiro contigo?
Gonçalo envergonhou-se de olhos postos no chão. O homem de negro colocou-lhe uma mão sobre o ombro e direcionou-o pela rua. Os dois começaram a caminhar.
- Veio para me mostrar o que aconteceu realmente com a minha família? - perguntou Gonçalo, esperando uma resposta clara e directa.
- Tudo a seu tempo, Gonçalo - disse Raphael misteriosamente.
Gonçalo parou e Raphael deu mais dois passos, voltando-se depois para ele.
- Contudo, preciso da tua ajuda.
- Da minha ajuda? - perguntou Gonçalo, curioso e ao mesmo tempo impaciente.
- Sim - pausou - há um rapaz muito especial com quem te deves encontrar com ele esta noite - disse, entregando para Gonçalo uma chave de um automóvel.
- Como assim, especial? Como eu?
- Sim. Mas... - e sorrindo - diferente. É ele quem te vai ajudar a descobrir. Eu sei que vai. E preciso que nos vás buscar.
- Não estou a compreender.
Os dois continuaram a falar e a caminhar pela rua até ao parque do centro.
- Está ali ao fundo, à entrada deste parque. É um carro preto e tem uma mochila na bagageira que precisarás dela mais tarde. A morada e a hora está no porta-luvas.
- Mas...
- Tudo a seu tempo, Gonçalo. Preciso que confies em mim. Eu prometi-te e estou a cumprir. Com o tempo compreenderás.
Raphael afastou-se.
- Tanto como tu, eu também quero descobrir a verdade.
Gonçalo permaneceu no parque, com as roupas nos seus braços, vendo o homem partir.
Quando veio a si, apressou-se em direcção ao carro. Distraído, embateu com duas raparigas. As roupas caíram sobre o chão, assim como as chaves do automóvel.
- Peço imensa desculpa - disse uma das raparigas.
- Não... faz mal - balbuciou enquanto se organizava.
Enquanto pegava nas suas roupas, a menina mais nova deu-lhe para a mão a chave.
- Obrigado... - agradeceu. Olhando para a menina, Gonçalo petrificou. O ambiente do parque tornou-se silêncioso e sufocante. Agarrou as suas roupas num acto abrutalhado e correu sem explicação.
Entrou no carro e atirou as suas roupas para os bancos de trás. Esfregou a cara com as duas mãos como se algo lhe estivesse a agarrar. Gonçalo estava a experienciar medo e, sobretudo, culpa... Após o ter feito com tanta força e sem se aperceber, uma linha de sangue escorria-lhe por um lado da cara. Tinha-se arranhado com as próprias mãos.
"Não posso crer...", pensou para si, "Como pode isto acontecer...?"
Gonçalo tremia das mãos. Nem nas chaves conseguia segurar. Reencostou-se no banco e tentou relaxar. "Como pude ter feito uma coisa daquelas e fugir..." O seu mundo estava a virar do avesso e a tornar-se cada vez mais pesado. Sentia a adrenalina correr-lhe pelo corpo, fazendo tremer ainda mais.
Olhou pelo retrovisor e observou o seu reflexo nele. A ferida sarou-se em segundos, mas o sangue secou na sua cara. A sua expressão era de revolta.
Criado por Unknown
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