Rafael Braga

O efeito do defeito - Maria

Parte 7
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- Tarde 10 de Janeiro -


     - E o que a mãe iria pensar de ti, Carolina? - perguntou Maria tocando a irmã.

     Carolina fez uma pausa com os olhos postos na almofada.

     - Eu sei que ainda não entendes, mas um dia irás, que existem pessoas que por vezes não compreendem as situações diferentes pelas quais não estão a passar.

     Maria lembrou Mateus. Da misteriosidade dele em particular.

     Carolina abraçou-se à sua irmã.

     - Percebes? Não podes mostrar às pessoas que és mais forte que elas. Porque elas não o são e por isso vão te fazer sentir diferente. Muitas delas troçam e só querem o mal da inveja. Eu sei que a mãe não é assim, mas, mais cedo ou mais tarde tu irias contar a todos os amigos da escola e foi melhor assim.
     - Então para que tive tanta força de manhã? - perguntou a pequena, triste.

     Maria encolheu os ombros e expressou-se com uma interrogação. "Porque haveria de ter tido a mesma força que eu de manhã e agora não?" - questionou-se - "E de onde viria? E de onde vem a minha? Como é possível? Devo experimentar se ainda... e também tenho força?".

     - Sim? - perguntou Carolina.

     Maria tinha-se distraído com os seus pensamentos.

     - Não percebi, mana.
     - Quero sair e passear - repetiu Carolina.

     Maria pensou e sorriu.

     - Vamos então até ao parque. Combinado?

     Carolina levantou-se da cama e puxou pela mão da irmã. Ambas desceram as escadas até à sala de estar. Sentado, Bernardo lia o jornal descontraído, de perna cruzada e casaco pendurado nas costas do sofá. Preocupada, a mãe apareceu vinda da cozinha.

     - Que passou, filha? - perguntou a mãe.
     - Nada, mãe. Ela só quer ir passear um pouco - disse Maria.
     - Querem que o Bernardo vos leve?

     Sem hesitação alguma, Carolina apertou a mão de Maria.

     - Não é necessário, mãe - respondeu Maria.

     Sairam de casa e seguiram a pé até ao centro da cidade. Pelo caminho conversaram.

     - Porque é que o pai não está mais connosco? - perguntou Carolina.

     Maria tentou ignorar ao princípio.

     - Teve que ir embora... - respondeu.
     - Sim, mas porquê?
     - Porque a mãe já não gostava dele e tinham muitos problemas juntos.

     Maria desviou o olhar. Carolina continuou a olhar em frente a pensar. A rua inclinava numa subida íngreme. No final, havia um cruzamento. Viraram à esquerda e desceram para o centro. O parque estava perto.

     - Eu gostava mais do pai - disse a pequena.

     "Eu também.", pensou Maria - "Mas ele tinha mudado tanto..."

     - Achas que o voltaremos a ver? - perguntou Carolina.
     - Um dia, talvez - respondeu Maria encolhendo os ombros.
     - Ainda gosta de nós?

     Maria voltou-se para a irmã e sorriu.

     - Sim, ainda gosta de nós. É o nosso pai.
     - É que eu não gosto do Bernardo, faz-me ter medo.
     - A mim também. É duro, mas não é má pessoa.
     - Porque é que a mãe o levou para casa? - perguntou a pequena.
     - Foi a decisão dela. Não queria tomar conta de nós sozinha.
     - Podia ter encontrado alguém mais simpático...

     Maria sorriu. O parque ficava ao fundo da avenida e bastava-lhes atravessar a rua. Nesse momento um automóvel preto estacionou à frente de ambas, assustando-as.

     - Mais cuidado! - gritou Maria.

     O condutor saíu do carro calmamente. Olhou-as e inclinou-se.

     - Peço imensa desculpa por vos ter assustado, não era a minha intenção - disse gentilmente.

     Carolina observou com atenção o homem alto e vestido de negro e sorriu para ele. Em resposta, o homem acenou-lhe com a mão.

     - Dá-me a mão. Vamos - pediu Maria, entrando pelo parque.
     - Acho que conheço aquele senhor... - disse Carolina olhando ainda para trás.
     - Sim? De onde?
     - Do Hospital - disse sorrindo.

     Continuaram a passear pelo parque. Lancharam juntas num café e sentaram-se nos bancos do jardim a comer gelados. O dia estava calmo e suave.

     - Tiveste muito medo no Hospital? - perguntou Maria.
     - Não. A enfermeira era simpática e estava sempre comigo - riu.

     Maria observou-a. Pensou para si própria como a sua irmã crescia. E como o tempo passava.

     - Ela disse que eu fui atropelada por um carro, mas eu não lembro.
     - É normal - confortou Maria acariciando o rosto da irmã.
     - Ela também disse que sou muito forte - pausou e continuou - Será que ela sabia?
     - Ela não se estava a referir a essa força, mas sim à da vontade. Quis dizer que és forte por dentro - Maria piscou o olho.
     - Tu também és muito forte, mana - disse a pequena.

     Ambas terminaram o gelado e levantaram-se dos bancos. De volta, pelo mesmo caminho, Maria distraíu-se enquanto que um rapaz cheio de roupa e de pressa embateu sem querer nelas. As roupas espalharam-se pelo chão. Umas chaves de automóvel caíram sobre os pés de Carolina.

     - Peço imensa desculpa - disse Maria.
     - Não... faz mal - balbuciou ele.

     Carolina agachou-se e apanhou as chaves. Aproximou-se do rapaz e entregou-lhe-as. Maria sorriu para sua irmã e olhou para o rapaz.

     - Obrigado... - agradeceu ele.

     Sem explicação alguma, o rapaz agarrou as suas roupas violentamente e desapareceu a correr pelo caminho em segundos.

     "Que estranho.", pensou Maria.

     - O que tinha ele, mana? - perguntou Carolina.
     - Pressa, muita pressa - disse - Vamos para casa.

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