Rafael Braga

O efeito do defeito - Gabriela

Parte 7
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- Tarde 10 de Janeiro -

     - Não posso acreditar... - disse Gabriela em voz baixa e desacreditada - Estou a ouvir música!

     Soraia, como sua amiga há alguns anos, sabia que Gabriela era incapaz de ouvir além dos pensamentos transmitidos em voz pelas pessoas, nunca músicas ou sons externos.

     - "Tens mesmo a certeza?" - pensou para Gabriela.
     - Sim!
     - "Não.. ouço música nenhuma..." - pensou Soraia apenas para si concentrando-se no interior do café.

     Gabriela então compreendeu. Não estava a ouvir música de aparelho algum como desejava, não estava a ouvir pelos seus próprios ouvidos... Sentiu-se decepcionada. Continuava a ouvir a música

     - Quero sair daqui - disse Gabriela
     - "Então... e o lanche...?"
     - Não quero...

     Ambas levantaram-se e sairam do interior do café. Nem pararam para se despedirem de Vasco. Enquanto passavam pelo recinto da esplanada, Soraia voltou sem explicação ao café.

     Gabriela parou. A música era mais nítida. Olhou em seu redor. Nada fazia sentido.

     "Não faz sentido. De onde virá? De alguma pessoa?", pensou Gabriela, que continuava a concentrar-se na fonte da música. Até certa altura, de entre a melodia, uma voz falou calmamente.

     - "Uma altura, o pai contou-me um segredo..."

     Gabriela detectou, instintivamente, o rapaz que se encontrava na esplanada a alguns metros de si. A sua voz era clara e fluente, sem interrupções de vários pensamentos simultâneos, ao contrário de todas as outras pessoas. Olhou o rapaz e continuou a "escutar".

     - ...contou-me um segredo, que ele tinha um dom parecido com o meu. E que uma maneira que ele tinha de o fazer parar ou abrandar era bebendo..."

     Soraia regressou do café e aproximou-se. Tocou no seu braço em sinal de prontidão.

     - "Esqueci-me... do telemóvel... vamos?" - disse Soraia.

     Gabriela permanecia concentrada.

     - "Ainda ouves... a música?" - pensou olhando para ela.
     - Melhor que isso. Sei agora de onde ela vem - respondeu aproximando-se do rapaz acompanhado.
     - "Onde vais?" - perguntou a amiga.

     Gabriela parou por instantes na direcção dele. Algumas vozes da mulher que o acompanhava não eram tão distintas, sobretudo, porque a voz do rapaz era também mais apelativa.

     - "Sim, lembro. Primeiro foi a aprendizagem demasiado rápida para a minha idade devido à memória fotográfica. As alucinações mais tarde. E agora isto da reprodução mental..."

     Gabriela arregalou os olhos. A mulher que acompanhava o rapaz pressentiu a sua presença e voltou-se para ela. Agindo naturalmente, desviou o olhar deles e voltou para trás para perto de Soraia.

     - "Que te deu?" - perguntou.
     - Não vais acreditar...
     - "Em quê?"
     - Era aquele rapaz...
     - "Que tinha... ele?... é giro..." - disse Soraia espreitando pelo ombro da amiga.
     - A música, Soraia, vem dele.
     - "Como assim?... Da cabeça dele... também?"
     - Sim!

     Gabriela e Soraia afastaram-se da esplanada. Seguiram pela praça até ao outro lado da rua que os separava e permaneceram ali, podendo ainda observar o rapaz de longe.

     - "Porque... não foste falar... com ele?"
     - Está acompanhado pela mãe que é médica.
     - "Mãe? ...como sabes?... esquece... Eu teria... falado com ele..."

     Gabriela revirou os olhos.

     - "Porque... será... ou como ele faz... isso?"
     - Não sei...

     Gabriela não pensou em possibilidades. Apenas um pensamento sobressaía no assunto: alguém mais também possuía algo em comum como ela. Diferente mas comum. Por isso, só haveria uma coisa a fazer.

     - Tenho que o conhecer para falar com ele.
     - "Gostaste dele..." - pensou Soraia, sorrindo.

     Gabriela sentiu o mesmo. Fascinou-a.

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