Rafael Braga

O efeito do defeito - Gonçalo

Parte 6
_____________________________________________________________________________________

- Tarde 10 Janeiro -

     Gonçalo ligou o motor do carro e arrancou. Seguiu a estrada até uma rua menos trafegada. Ali, parou o carro e desligou-o. Os prédios altos de cada lado daquela rua estreita sombreavam o carro como se fosse o início da noite adiantada. Trocou as suas roupas velhas e vestiu as novas que havia roubado na loja há alguns minutos atrás.

     Enquanto se vestia pensava na menina. Não queria acreditar, a menina com que havia embatido despropositadamente no parque era a mesma menina que havia atropelado há cinco meses atrás, na noite a seguir que havia fugido do Hospital.

     O seu lado sensível sentia-se aliviado pela menina se encontrar bem de saúde e por nada de pior lhe ter acontecido depois do acidente. Enquanto que o outro lado, o lado de culpa, fazia-o repugnar a si mesmo pelo sucedido. Nunca se iria perdoar pelo que havia feito naquela noite remota.

     Olhou-se ao espelho e com a manga da camisola suja, limpou o sangue da cara. Olhou o vazio e esperou. Saiu do carro e abriu a bagageira da traseira. Havia uma mochila como Raphael lhe havia dito. Dentro da mochila havia uma tesoura de arame e uma lanterna, nada mais. Fechou a mala e voltou para o interior. Abriu o porta-luvas e agarrou um pequeno mapa com uma nota escrita: a morada onde deveria se encontrar nessa noite.

     Gonçalo ligou o carro.

     "Preciso de procurar agora a morada para chegar a horas.", reflectiu. A morada na nota não ficava muito longe de onde estava. Seguiu caminho para lá.

     Parado num semáforo, o rádio tocava uma música. Gonçalo olhava para todos os lados, em particular, por receio. Nesse mesmo momento, os sinais dos peões piscavam e uma mulher atravessou-se em frente nos últimos segundos. Gonçalo reconheceu-a.

     "A mãe do Mateus...", uma súbita adrenalina picou-lhe o peito.

     Célia, que saía do seu turno do Hospital, passou a correr na passadeira olhando de seguida para trás para o carro e reconhecendo-o por breves instantes.

     Gonçalo apercebeu-se que a mãe do seu amigo o havia avistado e aproximava-se do carro. Sem hesitação acelerou... Enquanto fugia, o medo apoderava-se dele, desabilitando-lhe os pensamentos e as decisões.

     Minutos depois, Gonçalo desligou o carro ao chegar à morada descrita. Olhou em seu redor. Haviam algumas casas, uns quantos cafés até ao fundo da rua comprida e um orfanato. Estava a entardecer. Voltou a entrar no carro e estacionou-o legalmente perto do orfanato. Faltavam algumas horas até à hora prevista, por isso permaneceu no carro, para descansar um pouco e pensar.

     Muitos medos passavam pela sua cabeça. Ter visto a mãe de Mateus ainda lhe trouxe mais tormento. "Como haverei de me encontrar com o Mateus?", interrogou-se, "Como lhe vou contar tudo o que aconteceu? Como reagirá ele?"... Gonçalo se encostou no banco.

     ...

     Algumas horas haviam passado. Nas suas linhas de ideias e pensamentos misturadas com a música do rádio, Gonçalo quase adormecera, se não fosse por lhe terem batido na janela do carro.

     A noite já se tinha envolvido e as luzes da rua estavam todas ligadas. Gonçalo ficou surpreso, Fábio esperava-o fora do carro. Os dois abraçaram-se.

     - Que estás aqui a fazer? - perguntou Gonçalo, sentido de felicidade.
     - Vim ter contigo, meu! Estava com saudades tuas!
     - Mas, como me encontraste?
     - Uma pessoa que sabe encontrar pessoas veio ter comigo e indicou-me o caminho - respondeu Fábio.

     "Raphael", pensou Gonçalo.

     - E o MD e os rufias do Porto? Como te livraste deles? - perguntou Gonçalo preocupado.
     - Oh, meu, tiveram a sua sorte na mesma noite em que vieste para cá.
     - Como assim? - Gonçalo ficou curioso.
     - Foram todos apanhados! Não sei como ou porquê, mas foram. Alguém os chibou e prepararam-lhe uma armadilha - Fábio riu, batendo com o punho no ombro de Gonçalo.
     - Há duas noites atrás?
     - Sim - respondeu o amigo.
     - Nem vais acreditar! Na noite em que vim para Braga, fui cercado por eles! - contou Gonçalo - Devias ter visto a cara deles quando me viram ainda vivo! Mas acho que não me ia safar daquela. Foi então que ouvimos um tiro que chamou a atenção da bófia. E todos fugiram.

     Fábio esboçou um sorriso de convencido e lembrou-lhe.

     - Lembras-te aquela arma que encontramos e que só tinha uma bala?
     - Nããão! - admirou-se Gonçalo - Foste tu quem disparou?
     - Tive que te seguir para saber se chegavas bem. Que seria de ti sem mim, meu?

     Os dois riram e cumprimentaram-se. Continuaram a conversar por breves minutos.

     - Conta-me, o que te pediu ele?
     - O Raphael? Que me encontrasse contigo, nada mais.
     - Esta rua não parece ter nada de especial.

     Ao fundo da rua, um homem aproximava-se.

     - Raphael? - questionou Gonçalo - Estamos aqui. E agora?
     - Olá rapazes.

     Raphael, sempre misterioso, abriu a mala do carro. Agarrou a mochila e colocou-a sobre o ombro.

     - Vamos apagar umas luzes.

0 comentários:

Enviar um comentário

 

Seguidores