Rafael Braga

O efeito do defeito - Maria

Parte 5
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- Manhã 10 de Janeiro -

     - Bom dia, mana - cumprimentou Carolina ao seu lado - Queres ver uma coisa?

     Maria, resistindo ao sono, olhou-a com curiosidade. Carolina contornou a cama até ao fundo dos pés. Agarrou com as duas mãos por debaixo e elevou a cama a cinquenta centímetros do chão durante alguns segundos. Maria segurou-se surpresa.

     - Como fizeste isso? - perguntou perplexa, levantando-se da cama e segurando os braços da pequena.
     - Não sei. Mas sou forte agora - disse alegre.

     Maria não queria a acreditar no que acabara de assistir. Diversas perguntas passaram-lhe pela cabeça, algumas ainda mais confusas que as anteriores. A preocupação foi a primeira a manifestar-se.

     - Não contes nada aos pais. Prometido?
     - Porquê? - perguntou Carolina contente e desejada de o fazer a toda a gente, como uma nova brincadeira.
     - Vou contar-te um segredo. Eu também tenho muita força como tu. Por isso não podemos contar nada a ninguém. Prometes?

     Carolina baixou os olhos de alguma decepção. Maria abraçou-a, preocupada.

     - Prometes? - perguntou, sorrindo.
     - Sim - prometeu, pensando na sua irmã - Mas porque não podemos contar nem ao pais?

     Maria levantou-se. Sabia que "empatar" não seria uma solução infinita mas teria que servir até encontrar respostas às suas próprias perguntas.

     - Porque eles ainda andam zangados um com o outro - disse - e se souberem disto, vão ficar muito mais preocupados e com medo que alguma coisa possa acontecer.
     - Porque eu posso me magoar, não é?
     - Exacto, entendes? - sorriu de alívio.

     Carolina baixou os olhos.

     - A culpa foi minha... - murmurou.
     - Oh meu anjo... Porquê? - perguntou Maria, sentindo pena pela expressão da sua irmã.
     - Se eu não tivesse fugido de casa, eles não tinham discutido ainda mais. E não me tinha acontecido nada...

     Maria ajoelhou-se novamente frente à sua irmã.

     - Não tiveste culpa. Eu mesma tinha fugido. E o acidente não foi culpa tua também.
     - Tenho medo dele...

     Maria abraçou-a.

     - Não digas isso. Vai tudo correr bem. A mãe veio te dar um beijo de "boa noite" quando adormeceste ontem. Ela gosta muito de ti. E sei que ele também.
     - Então porque discutem por minha causa?
     - Porque são adultos, Carolina - Maria sorriu e Carolina achou um pouco de graça - Mas eles adoram-te e querem tudo de bom para ti, mesmo que não pareça assim. Quando cresceres irás perceber melhor.

     Carolina esboçou um sorriso de anjo, com o seu cabelo longo e loiro a brilhar como uma aura. Esticou os braços a pedir um abraço e Maria agarrou-a novamente.

     - Tanta forçaaa! Ai! - gritou alegre, mas séria quanto à força.

     Carolina riu e correu pela casa.

     Preparam e tomaram o pequeno-almoço juntas. De seguida tomaram duche e vestiram-se. O dia estava brilhante e alegre. Aproveitanto um momento sozinha,Carolina dirigiu-se à sala e agarrou o sofá, levantou-o de um lado o suficiente para se pôr debaixo dele, pousando-o novamente. Enquanto isso, Maria, lembrou o mais absurdo. Há cinco meses atrás, ela mesma havia revirado um automóvel. Não fazia a mínima ideia de como o tinha feito. Mas aconteceu e apartir desse dia nunca mais voltou a experimentar a mesma força e desespero. Maria só tinha que esperar que nada de mal acontecesse com a sua irmã Carolina.

     "Que posso eu fazer?", pensou. Quem poderia ajudar duas raparigas que não sabiam o que tinham e o que tinham era fora do comum e, quem sabe, muito perigoso. Maria continuava a pensar...

     Pela janela, Carolina viu os pais chegarem de carro pela rua.

     - Mana, chegaram!
     - Vamos esperar por eles na porta, rápido.

     As duas correram e riram até à porta da entrada.

     - Bom dia! - gritou Carolina correndo pelo jardim de flores brancas.

     A mãe abraçou-a de entusiamo a fugir-lhe pela garganta enquanto chamava por ela, a cumprimentava e lhe dava as boas vindas a casa. Pediu mil desculpas por não a poder ter ido buscar ao Hospital. A alguns metros de distância, o padastro da menina permaneceu sereno e imóvel, vestido de fato cinzento e sapatos clássicos mas velhos, assistindo sem qualquer sinal de emoção no seu rosto enrugado.

     Maria observou-o de canto e apercebeu-se. Não era algo fora do vulgar. Ele fora sempre muito reservado e misterioso. Aproximou-se da mãe e da Carolina. Todas entraram na casa e sentaram-se a conversar, excepto o padastro, que permaneceu na rua a fumar. Maria repetiu os conselhos do médico para a mãe.

     - O médico explicou que a fisioterapia estava terminada, a Carolina estava cem por cento recuperada. Não receitou nada. Apenas que deveria praticar algum desporto ou exercícios...

     Carolina ouvia com atenção, mas algo novo e imenso nos seus olhos queria soltar-se e mostrar-se pelos cantos da casa. Uma ideia nova ou um pensamento. Um segredo. Segurava a mão da sua mãe. Chamava constantemente por ela quando não lhe dirigia a atenção, por falar com Maria sobre as condições que o médico havia proposto para a recuperação final de Carolina. Maria estava a aperceber-se o quanto Carolina se estava a entusiasmar com a presença da mãe.

     - Mãe, mãe! - chamava Carolina.
     - Sim, Carolina, o que se passa?
     - Quero mostrar-te uma coisa nova - informou cantarolando.

     Maria lançou um olhar sério a Carolina, mas esta não lhe retribuiu um olhar.

     - Ai sim? E o que é? - perguntou a mãe, seguindo a brincadeira.

     Em voz baixa falou.

     - Mas o Bernardo, o pai, não pode saber, prometes?

     Maria levantou-se de imediato.

     - Carolina, não!
     - Hoje levantei a cama da mana no ar, sozinha - concluíu, ignorando Maria.
     - Que parvoíce, filha - riu a mãe.
     - Então eu mostro - apressada, a menina correu em volta e agarrou-se ao mesmo sofá.

     Maria assistiu sem reacção. Carolina esforçou-se mas o sofá nem sem moveu um centímetro.

     - Filha, não faças isso - falou a mãe.

     O rosto de Carolina entristeceu de confusão. Não compreendia como não conseguia repetir a mesma proeza. Enquanto isso, Maria também estava confusa. Mas de certa forma, aliviada pela mãe ter entendido como uma brincadeira.

     Carolina tentou uma segunda vez. De novo, o sofá pesava-lhe toneladas. Birrou e fugiu para o seu quarto. Maria seguiu-a.

     - Já não sou forte... Queria que a mãe visse... - soluçou a pequena.

     Maria deitou-se do seu lado. Não percebia o que havia acontecido. Era inexplicável. Entre tantas questões, Maria decidiu experimentar se ainda conseguia ter a mesma força que nunca mais usou.

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