Rafael Braga

O efeito do defeito - Mateus

Parte 1
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     Mateus abriu os olhos acordado por um sonho frequente. Mesmo antes de o despertador ter tocado. Tentou voltar a adormecer. Contudo, a manhã esgueirava por entre os estores e iluminava a parede do quarto como um céu estrelado. Levantou-se e agasalhou-se. Triste, pensou em algo ou alguém que lhe fazia falta...
     A campainha tocou duas vezes.

- Onde estiveste este tempo todo? - perguntou, sonolento, ao espreitar pela porta.
- Bom dia, para ti também.
- Estou mal disposto. Não atendes o telemóvel...
- Não te preocupes, estou aqui - interrompeu ela, entrando pelo hall de entrada até à sala - Pensei em irmos tomar o pequeno-almoço juntos.

     Mateus torceu o nariz e não respondeu de imediato.

- Hum, foi o que eu pensei, já lavaste a cara? - gracejou. Pegou no comando remoto e ligou a televisão. Cruzou as pernas e encostou-se à vontade no sofá.
     Ele apenas sorriu pela metade - Eu já disse que estou mal disposto, não me apetece sair de casa. Podes ao menos dizer-me onde estiveste e porque não me avisaste?
- Tu sabes, melhor do que ninguém - respondeu, misteriosamente - Não sejas desmancha-prazeres. Vai tomar um banho e apressa-te, está bem?
     Mateus virou as costas remoendo.
- E lava bem atrás das orelhas! - gritou, enquanto ele seguia pelo corredor, e sorriu.

     Durante o duche, Mateus tentou recompôr novamente o seu sonho. Uma leve dor de cabeça atordoou-o novamente. A mesma dor que lhe tem surgido nas manhãs que tenta relembrar um dos acontecimentos.

     No sonho, Mateus encontra-se embriagado pela cidade como todas as noites. Há uma rapariga com quem se cruza na escuridão, desesperada em busca de alguém pelas ruas. Ele tenta acompanhar e entender o que a rapariga soluça em palavras. Durante o enredo, o seu ébrio raciocínio entra em colapso quando a rapariga lhe dirige as únicas palavras decifráveis: "Eu sou real Mateus." E tudo termina.

     Apressou o banho e vestiu-se.

- Estou pronto, mas aviso-te que estou mesmo cansado hoje. E triste comntigo... - disse Mateus ao regressar à sala. Ela levantou-se e sorriu passando por ele.

     Saiu do apartamento e desceu a rua até à avenida principal da cidade sem tocar numa palavra. Sentou-se na esplanada de um café e juntou duas cadeiras lado a lado.

- Tive saudades tuas... - sussurou ela, carinhosamente.
- Também tive muitas saudades tuas.

     Os dois beijaram-se e deram as mãos. Os olhos de ambos brilharam enquanto se olhavam. Fazia uma manhã fria e não havia nada mais caloroso naquela praça.

- Bom dia. Vai desejar dois cafés e dois croissants? - perguntou o empregado de mesa em tom de adivinha.
- Sim. Por favor - respondeu Mateus enquanto segurava a mão dela.
     Com um pano dobrado, o empregado limpou a mesa e voltou para o balcão.
- Ele até já sabe o que nós queremos... - disse Mateus ao observar um grupo de pombos aproximarem-se por trás das cadeiras.
- Porque será que ele nem olhou para mim? - perguntou ela.
- Parvoíces! - reflectindo para si próprio, de facto o empregado apenas se havia dirigido a ele, olhos nos olhos, sem prestar atenção à bela rapariga a seu lado. Isso constatou, sem dúvida. Um arrepio correu-lhe o corpo e este tremeu automaticamente. A sua consciência provou uma espécie de pensamentos familiares.
- Há quanto tempo não nos temos visto até esta manhã? - perguntou Mateus pensativo.
- Há quatro dias.
- Porquê quatro dias? Oque aconteceu?

     Surgiu um silêncio. O empregado aproximou-se da mesa com a bandeja equilibrada numa mão.

- Aqui estão os cafés e os bolos. Este bilhete foi deixado para si. Bom apetite.
- Obrigado - agradeceu Mateus ao agarrar o papel.

     "Passaram quatro dias, Mateus. 11h00."

- Que diz o papel? - perguntou a jovem.
- "Passaram quatro dias." Mas que raios...?

     A dor matinal reapareceu mais forte. Mateus segurou a cabeça com as mãos de sofrimento. Nada estava a fazer sentido.

- Quer dizer que necessitas retomar a medicação, Mateus - disse uma mulher.
- Doutora Célia - disse aliviado mas sem levantar a cabeça - Não, chega, não aguento mais!
- É necessário meu querido. É importante. Diz-me, ela está aqui neste momento? - perguntou a doutora puxando e sentando-se na cadeira ao lado.
     Mateus olhou para ambos os lados sem vontade.
- Não...

O empregado de mesa que escutava a conversa pensou o impensável, admirado.

- Querido, precisas tomar a medicação com mais regularidade. Quatro dias é tempo demais para os efeitos se prolongarem... - aconcelhou gentilmente.
- Ela descobriu a minha "âncora", não foi?

     Os seus olhos olharam a mesa em derrota.

- Calma... Havemos de descobrir uma outra solução. Entretanto, tenho boas notícias. Localizamos a rapariga com quem tu fantasias. A verdadeira rapariga. Ela existe mesmo Mateus.

     Levantou docemente a cabeça da mesa. Um sorriso esperançoso rasgou-se no seu rosto.
- Onde a posso encontrar?

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