Rafael Braga

O efeito do defeito - Maria

Parte 7
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- Noite 10 de Janeiro -

     Ambas regressaram a casa depois do passeio de tarde pelo parque. Maria deitou Carolina na cama, que adormecera com o cansaço. Certificou-se que a irmã estava confortável e agasalhada. Trocou de roupa, vestindo o pijama de noite e levou a roupa usada para a cozinha. Lá, a mãe preparava o pequeno-almoço para o dia seguinte.

     - Ainda estás acordada, filha - afirmou a mãe.
     - Sim. Não tenho sono, ainda.
     - Queres uma chávena de chá que estou a preparar para mim?
     - Sim - respondeu Maria, sentando-se ao balcão da cozinha.

     A água fervia e a mãe colocou a saqueta das ervas aromáticas. De seguida, serviu.

     - Cuidado, está quente. A Carolina adormeceu?
     - Sim, mãe.

     As duas tomaram um gole do chá. Maria agarrou a chávena, concentrando-se no que iria perguntar.

     - Onde está o Bernardo? - perguntou, desviada do assunto ainda.
     - Ele saiu, querida. Teve uns assuntos dele para tratar.

     Maria questionou-se. Mal sabia que tipo de emprego ele teria ao certo.

     - A estas horas? – perguntou, Maria.
     - Sim, ligaram-lhe. Ele disse que era urgente...

     Maria não se quis importar mais. Havia uma outra questão, mais importante.

     - Mãe, porque o pai veio cá a casa, ontem?

     A mãe desviou o olhar da filha, levantou-se do banco e arrumou a sua chávena vazia na banca. Maria bebeu um pouco mais e levantou-se também.

     - Ele queria saber como eu estava e como vocês estavam também.
     - Ele tinha bebido... - afirmou Maria.
     - Sim, eu sei - disse a mãe. Abriu a torneira e começou a lavar as chávenas.

     Maria aproximou-se e agarrou um pano seco.

     - Ele tinha estado antes no Hospital para ver a Carolina mas expulsaram-no naquelas condições. Mais tarde passou cá para entregar a chave dele da casa. - concluiu a mãe.
     - O que terá acontecido para ele mudar tanto? - perguntou Maria.
     - Principalmente o vício...
     - Ele... - suspirou Maria - Ele ficou assim desde que a Carolina teve o acidente...
     - Não havia razão nenhuma que desculpasse o comportamento dele agora. Todos nós passamos pelo mesmo...

     Maria assentiu a desilusão nas palavras da mãe. Terminou de secar a sua chávena e arrumou-a no seu lugar. Continuou a olhar para a sua mãe.

     - Alguma coisa mais teve que acontecer... - continuou a mãe.
     - Vocês discutiam sobre isso o tempo todo - afirmou.
     - Acho que já não havia outra forma para resolver os nossos problemas. Foi ele quem decidiu que deveria ir embora. Por um lado, foi o melhor...

     Maria percebia o quão falta ele ainda fazia em casa, depois de tantos anos juntos. Mas pensava na mesma hipótese que a mãe. A separação foi dura mas trouxe equilíbrio até os dias de hoje.

     - A Carolina sente a falta dele, mãe.
     - Eu sei. Ela não passou por nada disto enquanto teve no Hospital. Será justo dizer que é mais fácil para ela?

     Maria encolheu os ombros sem pensar.

     - Acho que não. É ela quem vai sentir mais falta dele agora. O Bernardo ainda é um estranho para ela. E ela só viu o pai duas vezes, no Hospital, nem teve tempo para entender o que se passava.
     - Mas ela é muito forte e nós estaremos aqui para ajuda-la em tudo - disse a mãe.

     Maria sorriu e acenou com a cabeça em afirmação. A mãe consentiu. Olhou em sua volta, a cozinha estava impecável e pronta para o dia seguinte. Depois perguntou.

     - Quem era a senhora que te levou ao Hospital?

     Maria pensou nas possibilidades em a mãe saber. Talvez a Carolina lhe havia dito.

     - O teu pai disse-me que alguém bateu à porta enquanto ele esteve cá. Uma senhora, médica, acho eu, que queria falar convosco. Que depois te levou. Quem era?

     Maria relembrou a conversa com o rapaz, chamado Mateus, e a sua mãe. Não fora uma conversa vulgar, quase nada fazia sentido e ele era tão estranho e misterioso. Eles apenas tinham vindo ao seu encontro em ajuda para ele mesmo. Ajuda que Maria não entendera como lhe oferecera.

     - Uma senhora que vinha pedir ajuda para o seu filho.
     - Ajuda?
     - Sim - Maria encolheu os ombros em insignificância - Acho que o filho tinha problemas de memória e que ele se lembrava de mim.
     - Como assim, lembrava de ti? - a mãe elevou a voz de preocupação e desconforto simultâneo.
     - Não sei, mãe.
     - E como te encontraram aqui? Como sabiam? - a mãe continuou, questionada.
     - Não sei.
     - E mesmo assim foste com eles?

     Maria estava a perceber o ponto em que a mãe queria chegar.

     - Calma, mãe. Eles foram simpáticos comigo, nada mais.
     - Nada mais? Vieram assim, do nada, à nossa casa? Não faz sentido, porque haveriam de vir ter contigo assim?

     Maria entendia a preocupação da mãe. Mas explicar para a mãe os detalhes todos que nem ela própria conseguia entender, mas que lhe faziam um pouco de sentido, ainda iriam prolongar mais as preocupações. "Talvez devesse ter mentido.", pensou para si.

     - Se houver uma próxima vez que eles venham cá novamente, eu mesma falarei com eles. De acordo?
     - Sim, mãe - respondeu Maria, obediente à situação.
     - Tenho que me deitar. Está a ficar tarde.

     Desejando boa noite, a mãe subiu para o quarto. Maria ainda ficou na cozinha.

     Reflectindo sobre o assunto, questionou-se com as mesmas perguntas da mãe. "Como souberam eles chegar até aqui? Como sabiam a minha morada?", pensou. Verdade seria, "Vieram até aqui à minha procura apenas porque precisavam da minha ajuda? Só prova que seria mesmo importante, a intenção." Maria continuou a pensar sobre o assunto. "Porque não me perguntei sobre isto antes? Porque não lhes perguntei? Que importância terei eu para eles?"

     Toda a casa permanecia em silêncio. Num segundo, toda a electricidade falhou, ficando tudo às escuras também.

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