Rafael Braga

O efeito do defeito - Mateus

Parte 7
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- Tarde 10 de Janeiro -

     - Apesar de tudo, o teu pai queria que tu podesses controlar melhor as tuas capacidades. Mas cada vez se estavam a tornar um problema para ti - contou Célia.

     Mateus segurou a mão da sua mãe também.

     - Quando eras mais novo, eu e ele tentamos de tudo para que podesses conseguir uma vida mais calma.

     Mateus relembrou algumas das suas idades anteriores, a sua infância e o rumo que seguira conforme as suas capacidades se manifestavam e os problemas que lhe traziam.

     Enquanto falava, Célia apercebeu-se que alguém se aproximava deles. Voltou-se naturalmente e, uma rapariga, com um rosto curioso mas traçado de desânimo, permanecia em direcção deles, como se estivesse à escuta. No mesmo instante, a rapariga voltou-se de surpresa e seguiu na direcção contrária, partindo. Mateus nem deu atenção à situação, envolvendo-se com o seu raciocínio supersónico.

     - Porque bebia ele? - perguntou Mateus, indignado com a justificação que o pai lhe havia dado a certa altura.

     Célia suspirou.

     - Quando conheci o teu pai, já ele tinha esse vício. Mas sempre foi correcto comigo. A dada altura ele parou a bebida por completo, sem explicação alguma. Ele nunca me havia contado o porquê até então. Nesse mesmo ano, dois anos depois de nos termos conhecido, ele contou-me por fim. Eu não queria acreditar mas ele dizia que me iria provar que tinha um "dom". Eu estava a estudar medicina e ele tinha um amigo que nos ajudou. Ele possuía uma máquina, que agora está na nossa sala de experiências, no meu laboratório. Essa mesma máquina mostrou padrões fora do normal no funcionamento do cérebro do teu pai... enquanto sonhava, após de escrever algo que o perturbava.

     Mateus assentiu a forma como a sua mãe recordava o seu pai.

     - E beber - continuou - diluía as suas capacidades durante o dia para poder dormir em paz à noite. E, de facto, era o que acontecia. Mas o alcóol corroeu-o por dentro... até não ter aguentado mais...
     - Mãe...

     Os dois olharam-se.

     - Achas que o pai foi o primeiro? - perguntou Mateus em tom de assunto mudado.
     - Como assim?
     - O que sabias do avô?
     - Nada. Faleceu antes mesmo de conhecer o teu pai. Porque perguntas?

     Mateus receou, mas sem grandes preocupações. Apenas precauções.

     - Se um dia eu tiver um filho, achas que poderá...
     - Ser hererditário?
     - Sim...
     - Muito possivelmente. Ainda estou muito atrasada nos meus estudos e sabes como estou limitada para o nosso bem. Mais ninguém, em todo o mundo, tem feito estudos relacionados, o que quer dizer que talvez possas ser um dos poucos, quem sabe se não o único agora, com estas capacidades em desenvolvimento.

     Mateus sorriu.

     - És difícil de acompanhar quando falas dessa maneira - disse Mateus.
     - Pensei que serias por esta altura capaz de tudo.

     Ambos sorriram. E de seguida fez-se silêncio.

     - Obrigado, mãe.

     Célia olhava Mateus, enquanto ele parecia perdido nos seus pensamentos. A sua expressão alterou-se por completo.

     - Que se passa?
     - Achas que pode haver mais alguém como eu?

     Célia não respondeu. Apenas podia pressupor.

     - Eles podem andar escondidos, como eu, e nunca saberemos...
     - Verdade, mas então nunca o saberás - Célia pensou para si própria - e não deves ter tanta esperança nisso, como te acabei de dizer.
     - Apenas tenho um pressentimento... - disse baixinho.

     Mateus alterou a sua disposição.

     - Lembrei de uma ligação muito estranha. Como pude deixar passar! - elevou a voz por fim.

     A sua mãe esforçou-se por acompanhar. Mateus gelou por momentos.

     - A flôr! - gritou com as mãos apontadas.
     - Qual flôr?
     - Lembras? Viste a flôr branca no Hospital, no quaro, quando fomos buscar aquela menina com a irmã, a Maria?
     - Flôr, não... - respondeu, tentando recordar mais.

     Mateus fez a ligação.

     - Eu vi a flôr branca. A mesma flôr que a menina deixou no... funeral há meses. A mesma flôr que ela tem à porta de casa, num jardim só delas.
     - Que queres mostrar com isso?
     - Não sei! - respondeu, desnorteando-se Mateus com as ideias, que raramente acontecia - A flôr quer dizer alguma coisa mas não sei o que é. Vi-a ainda hoje, no cemitério...
     - Foste ao cemitério? Mateus... - perguntou a mãe, preocupada.

     Os pensamentos de Mateus aceleravam. A música que ouvia todo o tempo interrompia-se, tal e qual como a interferência de um rádio. Começou a doer-lhe a cabeça. Para seu bem, acalmou-se, pensando com a respiração.

     - Sinto que algo maior me une a estas pessoas que não conheço, a esta Maria e à sua irmã...

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