O efeito do defeito - Gonçalo
Parte 1
_____________________________________________________________________________________
- Sabes que não podes voltar a casa!
- Não me digas o que eu não posso fazer! - respondeu gritando. Gonçalo retirou um pequeno saco debaixo de um colchão velho. Dentro continha uma quantia valiosa em dinheiro. - Isto deve chegar.
- Hei! Esse dinheiro também é meu! - reclamou o seu companheiro.
- É a única maneira de eu voltar para casa...
Gonçalo sentou-se no colchão puído que rangeu sobre as molas. Vestia com ele roupas velhas e desfeitas. Vivia com um sem abrigo de nome Fábio que o ajudou a sobreviver nas ruas. Ambos roubavam em troca de alimentos e novas roupas. Dormiam por vezes em casas abandonadas ou em ruas por onde ninguém passava. Os dois estiveram juntos praticamente quatro meses.
Precisava de voltar a casa.
- Já passou tempo necessário...
- Estás maluco dessa cabeça? Tu lembras o que aconteceu há cinco meses? A polícia ainda deve andar em cima de nós! Atropelamos uma menina com um carro roubado!
Gonçalo permaneceu petrificado.
- Para não falar que fugiste do Hospital! Ainda me custa acreditar o que te aconteceu... - Fábio agachou-se perto do amigo - Tu tiveste muita sorte, se é que se possa chamar de isso.
Gonçalo relembrou.
Numa noite de Agosto, um terrível incêndio havia destruído o seu lar e família. Gonçalo na tentativa de escapar correra pela casa em chamas, atirando-se num acto impensável da janela de um quarto para a rua para se salvar. A queda tinha sido quase fatal. Permanecera inconsciente, deitado na fria estrada, até ter sido resgatado pelos bombeiros e ser levado para o Hospital. Seus pais tinham morrido sem se terem apercebido da catástrofe, contavam os polícias.
Milagrosamente o seu corpo sarava numa rapidez exponencial. Testes sobre testes, estava a ser submetido a um desumano interesse próprio de médicos cientistas. Eles queriam respostas a todo o custo. Gonçalo vira-se na necessidade de fugir e se esconder.
- Tive muita sorte mesmo, foi em te ter encontrado. Havemos de ajudar de alguma forma a família da menina... - ressentiu Gonçalo.
- Se é a tua vontade a de voltar, força. Mas eu não posso. Ainda tenho assuntos pendentes aqui.
- E eu voltarei para te ajudar. Havemos de terminar esses "assuntos" um dia.
Fábio sentou-se por fim no chão.
- Tu conhece-los. São osso duro de roer e não nos vão deixar descançados nunca...
- Arranjaremos uma forma - aliviou Gonçalo - Tenho que partir já.
Fábio levantou-se energeticamente, ofereceu a sua mão ainda coberta de ligas manchadas e ajudou Gonçalo a levantar-se também. Os dois cumprimentaram-se à maneira das ruas.
- Podes levá-lo todo. Não vou precisar desse dinheiro.
- Fico-te agradecido. Devolver-te-ei.
- Espero bem que sim - disse Fábio, sorrindo - toma cuidado.
- Sabes bem que eu não preciso ter cuidado.
- Mas é sempre educado da minha dizer isto - piscando o olho.
Gonçalo meteu ao bolso o pequeno saco com o dinheiro e pegou num casaco preto que havia sido roubado a semana passada. Saiu pela porta das traseiras da casa ainda em obras e seguiu a estrada em direcção à estação ferroviária.
A noite estava calma. Poucos automóveis circulavam nas ruas dos bairros. Gonçalo caminhava decidido e confiante pela ruela abaixo, faltando mais uns quatro quarteirões até à estação.
- Não é possível! - gritou um indivíduo entre um grupo de seis.
- Devias estar morto!
Gonçalo hesitou e parou. Quando se apercebeu do perigo já o grupo lhe barrava a passagem.
- Meu! Eu enfiei-te duas balas nesse peito! - afirmou o mais corpulento e líder do grupo, dando um passo à frente.
- Talvez nem tenhas acertado - Gonçalo respondeu audazmente.
- Estás a tripar comigo? Ah? - alteou a voz aproximando-se mais.
- Não, MD, estou só a dizer que falhaste os tiros.
Gonçalo tinha que arranjar um forma de escapar ao bando. Estava em desvantagem desta vez. Ao fundo da ruela um carro de patrulha parou à saída com as luzes ligadas. O grupo não entrou em pânico mas a presença da polícia alertou-os. Dois capangas separam-se do grupo para encostarem-se à vedação de um terreno, folgando um espaço para Gonçalo se esquivar.
- Estás mesmo a tripar comigo, filho da p...!
- Merda MD, a bófia! - sussurou um outro.
- Fodasse! - praguejou - Mas nem a bófia te salva o couro desta vez. Tu e o teu amiguinho ainda me devem os cinco mil! - continuou furioso.
O medo abraçava o peito de Gonçalo. O carro de patrulha não parecia ter reparado neles, continuando o seu caminho.
PAAAM! Ouviu-se um disparo tremendo. Tanto Gonçalo como o bando agacharam-se em protecção. O carro de patrulha ligou imediatamente as sirenes sonoras e dirigiu-se para a ruela. O bando dividiu-se, cada um por si, e fugiram em várias direcções. Gonçalo correu velozmente saltando a vedação atravessando as propriedades vizinhas para escapar à polícia. Continou a correr até ter deixado de ouvir as sirenes.
- Porra! - queixou-se ao golpear-se na segunda rede, esta farpada. O sangue escorreu em segundos pelo braço até à mão, manchando o casaco preto.
Ao chegar à estação, apressou-se para as casas de banho públicas sem que alguém reparasse. Tirou o casaco e atirou-o para o chão. O corte no ombro era pouco profundo mas as dores eram mais. Lavou o ombro durante alguns minutos até que o sangue estancou. A ferida cicatrizou-se aos olhos de Gonçalo que observava pelo espelho sujo na parede. Por mais vezes que ele assistisse ao mesmo fenómeno, Gonçalo deixava-se impressionar pela incompreensibilidade.
Por fim enxaguou a manga do casaco, tirando o sangue e o odor.
O comboio que esperava chegou à estação. Partia em dez minutos. Escolheu um lugar numa carruagem mais vazia de gente. Um operário aproximou-se.
- Bilhete, por favor?
- Ahh... - figindo se ter esquecido apalpou os bolsos. Retirou algumas moedas do bolsoe contou - Não tenho bilhete...
- Da próxima vez tem que o comprar na bilheteira. Destino?
- Braga - respondeu Gonçalo.
- São 2,50€. Boa viagem.
_____________________________________________________________________________________
- Sabes que não podes voltar a casa!
- Não me digas o que eu não posso fazer! - respondeu gritando. Gonçalo retirou um pequeno saco debaixo de um colchão velho. Dentro continha uma quantia valiosa em dinheiro. - Isto deve chegar.
- Hei! Esse dinheiro também é meu! - reclamou o seu companheiro.
- É a única maneira de eu voltar para casa...
Gonçalo sentou-se no colchão puído que rangeu sobre as molas. Vestia com ele roupas velhas e desfeitas. Vivia com um sem abrigo de nome Fábio que o ajudou a sobreviver nas ruas. Ambos roubavam em troca de alimentos e novas roupas. Dormiam por vezes em casas abandonadas ou em ruas por onde ninguém passava. Os dois estiveram juntos praticamente quatro meses.
Precisava de voltar a casa.
- Já passou tempo necessário...
- Estás maluco dessa cabeça? Tu lembras o que aconteceu há cinco meses? A polícia ainda deve andar em cima de nós! Atropelamos uma menina com um carro roubado!
Gonçalo permaneceu petrificado.
- Para não falar que fugiste do Hospital! Ainda me custa acreditar o que te aconteceu... - Fábio agachou-se perto do amigo - Tu tiveste muita sorte, se é que se possa chamar de isso.
Gonçalo relembrou.
Numa noite de Agosto, um terrível incêndio havia destruído o seu lar e família. Gonçalo na tentativa de escapar correra pela casa em chamas, atirando-se num acto impensável da janela de um quarto para a rua para se salvar. A queda tinha sido quase fatal. Permanecera inconsciente, deitado na fria estrada, até ter sido resgatado pelos bombeiros e ser levado para o Hospital. Seus pais tinham morrido sem se terem apercebido da catástrofe, contavam os polícias.
Milagrosamente o seu corpo sarava numa rapidez exponencial. Testes sobre testes, estava a ser submetido a um desumano interesse próprio de médicos cientistas. Eles queriam respostas a todo o custo. Gonçalo vira-se na necessidade de fugir e se esconder.
- Tive muita sorte mesmo, foi em te ter encontrado. Havemos de ajudar de alguma forma a família da menina... - ressentiu Gonçalo.
- Se é a tua vontade a de voltar, força. Mas eu não posso. Ainda tenho assuntos pendentes aqui.
- E eu voltarei para te ajudar. Havemos de terminar esses "assuntos" um dia.
Fábio sentou-se por fim no chão.
- Tu conhece-los. São osso duro de roer e não nos vão deixar descançados nunca...
- Arranjaremos uma forma - aliviou Gonçalo - Tenho que partir já.
Fábio levantou-se energeticamente, ofereceu a sua mão ainda coberta de ligas manchadas e ajudou Gonçalo a levantar-se também. Os dois cumprimentaram-se à maneira das ruas.
- Podes levá-lo todo. Não vou precisar desse dinheiro.
- Fico-te agradecido. Devolver-te-ei.
- Espero bem que sim - disse Fábio, sorrindo - toma cuidado.
- Sabes bem que eu não preciso ter cuidado.
- Mas é sempre educado da minha dizer isto - piscando o olho.
Gonçalo meteu ao bolso o pequeno saco com o dinheiro e pegou num casaco preto que havia sido roubado a semana passada. Saiu pela porta das traseiras da casa ainda em obras e seguiu a estrada em direcção à estação ferroviária.
A noite estava calma. Poucos automóveis circulavam nas ruas dos bairros. Gonçalo caminhava decidido e confiante pela ruela abaixo, faltando mais uns quatro quarteirões até à estação.
- Não é possível! - gritou um indivíduo entre um grupo de seis.
- Devias estar morto!
Gonçalo hesitou e parou. Quando se apercebeu do perigo já o grupo lhe barrava a passagem.
- Meu! Eu enfiei-te duas balas nesse peito! - afirmou o mais corpulento e líder do grupo, dando um passo à frente.
- Talvez nem tenhas acertado - Gonçalo respondeu audazmente.
- Estás a tripar comigo? Ah? - alteou a voz aproximando-se mais.
- Não, MD, estou só a dizer que falhaste os tiros.
Gonçalo tinha que arranjar um forma de escapar ao bando. Estava em desvantagem desta vez. Ao fundo da ruela um carro de patrulha parou à saída com as luzes ligadas. O grupo não entrou em pânico mas a presença da polícia alertou-os. Dois capangas separam-se do grupo para encostarem-se à vedação de um terreno, folgando um espaço para Gonçalo se esquivar.
- Estás mesmo a tripar comigo, filho da p...!
- Merda MD, a bófia! - sussurou um outro.
- Fodasse! - praguejou - Mas nem a bófia te salva o couro desta vez. Tu e o teu amiguinho ainda me devem os cinco mil! - continuou furioso.
O medo abraçava o peito de Gonçalo. O carro de patrulha não parecia ter reparado neles, continuando o seu caminho.
PAAAM! Ouviu-se um disparo tremendo. Tanto Gonçalo como o bando agacharam-se em protecção. O carro de patrulha ligou imediatamente as sirenes sonoras e dirigiu-se para a ruela. O bando dividiu-se, cada um por si, e fugiram em várias direcções. Gonçalo correu velozmente saltando a vedação atravessando as propriedades vizinhas para escapar à polícia. Continou a correr até ter deixado de ouvir as sirenes.
- Porra! - queixou-se ao golpear-se na segunda rede, esta farpada. O sangue escorreu em segundos pelo braço até à mão, manchando o casaco preto.
Ao chegar à estação, apressou-se para as casas de banho públicas sem que alguém reparasse. Tirou o casaco e atirou-o para o chão. O corte no ombro era pouco profundo mas as dores eram mais. Lavou o ombro durante alguns minutos até que o sangue estancou. A ferida cicatrizou-se aos olhos de Gonçalo que observava pelo espelho sujo na parede. Por mais vezes que ele assistisse ao mesmo fenómeno, Gonçalo deixava-se impressionar pela incompreensibilidade.
Por fim enxaguou a manga do casaco, tirando o sangue e o odor.
O comboio que esperava chegou à estação. Partia em dez minutos. Escolheu um lugar numa carruagem mais vazia de gente. Um operário aproximou-se.
- Bilhete, por favor?
- Ahh... - figindo se ter esquecido apalpou os bolsos. Retirou algumas moedas do bolsoe contou - Não tenho bilhete...
- Da próxima vez tem que o comprar na bilheteira. Destino?
- Braga - respondeu Gonçalo.
- São 2,50€. Boa viagem.
Criado por Unknown
Clicar/Comentar (0)
@
0 comentários:
Enviar um comentário