O efeito do defeito - Gonçalo
Parte 2
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- Há cinco meses atrás: -
- Gonçalo, vá lá, vai deitar-te. É tarde.
- Vou já, mãe. É só mais este programa - disse ele numa voz sonolenta.
- Não te esqueças de desligar a televisão, sim? - pediu o pai enquanto se levantava do sofá.
- Prometo, desta vez.
Gonçalo aconchegou-se no mesmo sofá com mais discontracção ao ouvir a permissão dos pais.
- Posso ver com o mano, mamã? - perguntou a sua irmãzinha.
A mãe torceu o nariz em desaprovação.
- Não, querida. Amanhã deves acordar cedo, sabes porquê?
- Porque amanhã vamos à escola! - sorriu a menina ao responder.
- Sim, vamos te inscrever para que não tarda possas aprender como os outros meninos.
- E vai estar lá a Carolina também?
- Sim, claro, filha.
- Boa! - contentou-se.
A menina apressou-se a subir as escadas em direcção ao seu quarto. Pausou por um momento.
- Mano! Amanhã vou para a escola como tu e aprender mais! Ahah - gracejou num tom doce de entusiasmo.
Gonçalo observou a irmã por cima do ombro e deitou a língua de fora. Depois sorriu virado para a televisão.
- Boa noite! - gritou a pequena correndo pelas escadas.
- Boa noite, filho - despediu-se a mãe.
- Boa noite.
As luzes foram todas desligadas.
- Pai? - chamou-o antes que subisse também - Emprestas-me o carro para o próximo fim-se-semana? - Gonçalo fez um ar de esperanças sobre o seu pai, na tentativa de o convencer daquela vez.
- Acho que já discutimos sobre isso.
- Vá lá, pai - insistiu.
- Não é por saberes conduzir com cuidado que te dê a responsabilidade de o fazer.
- Eu sei, pai, mas seria importante para mim. Todos os meus amigos vão levar o seu carro. E eu prometo que não abusarei nem beberei nenhuma bebida. Prometo!
O pai lançou um olhar pensativo.
- Mas só desta vez...
- Obrigado pai! - agradeceu Gonçalo, emocionado - És o melhor pai do mundo!
Subiu em seguida para se deitar, igualmente. Gonçalo permaneceu na sala. O programa televisivo prolongou-se mais duas horas. A essa altura todos dormiam descançados. O silêncio reinava a casa.
O andar de baixo da casa emanava um fumo negro pelas escadas e condutas acima.
O andar de cima ardia infernamente.
Um grito agudo e aflitivo percorreu a casa como um alarme. Gonçalo acordou sobressaltado!
A sala de estar no andar de baixo, onde relaxado tinha adormecido a ver televisão, enevoeirava um manto denso e sofucante de fumo sob o tecto. As sombras luminosas das chamas erguiam-se e desapareciam em clarões fervorosos nas paredes da sala até à cozinha, grunhindo ruídos típicos de um incêndio alastrado.
Levantando-se abalado, correra em socorro da sua família.
- MÃE! - gritou em desespero...
Por entre a invisibilidade e a escuridão subiu as escadas até aos quartos. As paredes rachavam com o próprio peso. A primeira porta à direita dava acesso ao quarto dos pais...
- PAI! - gritou uma vez mais...
As chamas deflagravam o quarto impiedosamente. O tecto deste rugiu, no instante em que desabou sobre o centro projectando centenas de lascas e farpas incandescentes numa bola de fumo e destroços. Gonçalo esquivou-se no último instante, atirando-se para o chão protegendo a cabeça com os braços.
O calor mordia-lhe as pernas. Vociferava em ardor. O seu pijama estava em chamas. Rebolou o corpo sobre si mesmo e esfregou com a mais freneticidade que as suas mãos lhe conseguiam oferecer para afastar as chamas. Usou de seguida a carpete com que se enrolou para abafar as mesmas.
Ergueu-se apoiando o ombro na parede. Tossia por ar fresco. Gonçalo persistiu ainda pelo último quarto, gatinhando pelo corredor junto o mais possível ao chão, onde o fumo não era tão denso.
"Por favor...", disse, suplicando em sofrimento. A porta estava fechada. O calor irradiava uma luz esplandorosa por entre as frinchas, parecendo sufocar-se dentro do quarto. O nome "Adriana" estava pendurado na porta. Levantando-se, cansado e quase incapacitado pelas dores das queimaduras, abriu a porta rápido de mais...
O fumo negro que pairava no corredor entrou pelo quarto em chamas como uma serpente viva e feroz. Houve um momento de explosão. A pressão do ar quente descomprimiu-se e alastrou-se pelo corredor num ápice, arremessando Gonçalo contra a porta do seu quarto, oposto ao do da sua irmã. Ouviram-se estilhaços de vidros de janelas quebrarem-se e lascas de madeira trespassarem tecidos e paredes. As altas temperaturas bastavam para queimar a pele.
Por fim, Gonçalo fora vencido pela natureza da sobrevivência. O seu instinto levou-o mais uma vez a resistir. Não havia mais nada em que podesse pensar. Entrou no seu quarto, arrastando-se debilmente. As chamas tinham encontrado um novo lugar para consumirem. Içou o seu corpo, apoiando-se sobre a cama, depois contornou-a e aproximou-se da janela. Esta estava aberta.
Era uma noite escura. Ouviam-se gritos de desespero dos vizinhos. Sirenes sonoras de bombeiros chegavam do horizonte. Uma bizarra loucura que enchia o peito de medo e sofrimento.
Gonçalo não hesitou. Olhou a estrada e saltou para se salvar.
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- Há cinco meses atrás: -
- Gonçalo, vá lá, vai deitar-te. É tarde.
- Vou já, mãe. É só mais este programa - disse ele numa voz sonolenta.
- Não te esqueças de desligar a televisão, sim? - pediu o pai enquanto se levantava do sofá.
- Prometo, desta vez.
Gonçalo aconchegou-se no mesmo sofá com mais discontracção ao ouvir a permissão dos pais.
- Posso ver com o mano, mamã? - perguntou a sua irmãzinha.
A mãe torceu o nariz em desaprovação.
- Não, querida. Amanhã deves acordar cedo, sabes porquê?
- Porque amanhã vamos à escola! - sorriu a menina ao responder.
- Sim, vamos te inscrever para que não tarda possas aprender como os outros meninos.
- E vai estar lá a Carolina também?
- Sim, claro, filha.
- Boa! - contentou-se.
A menina apressou-se a subir as escadas em direcção ao seu quarto. Pausou por um momento.
- Mano! Amanhã vou para a escola como tu e aprender mais! Ahah - gracejou num tom doce de entusiasmo.
Gonçalo observou a irmã por cima do ombro e deitou a língua de fora. Depois sorriu virado para a televisão.
- Boa noite! - gritou a pequena correndo pelas escadas.
- Boa noite, filho - despediu-se a mãe.
- Boa noite.
As luzes foram todas desligadas.
- Pai? - chamou-o antes que subisse também - Emprestas-me o carro para o próximo fim-se-semana? - Gonçalo fez um ar de esperanças sobre o seu pai, na tentativa de o convencer daquela vez.
- Acho que já discutimos sobre isso.
- Vá lá, pai - insistiu.
- Não é por saberes conduzir com cuidado que te dê a responsabilidade de o fazer.
- Eu sei, pai, mas seria importante para mim. Todos os meus amigos vão levar o seu carro. E eu prometo que não abusarei nem beberei nenhuma bebida. Prometo!
O pai lançou um olhar pensativo.
- Mas só desta vez...
- Obrigado pai! - agradeceu Gonçalo, emocionado - És o melhor pai do mundo!
Subiu em seguida para se deitar, igualmente. Gonçalo permaneceu na sala. O programa televisivo prolongou-se mais duas horas. A essa altura todos dormiam descançados. O silêncio reinava a casa.
O andar de baixo da casa emanava um fumo negro pelas escadas e condutas acima.
O andar de cima ardia infernamente.
Um grito agudo e aflitivo percorreu a casa como um alarme. Gonçalo acordou sobressaltado!
A sala de estar no andar de baixo, onde relaxado tinha adormecido a ver televisão, enevoeirava um manto denso e sofucante de fumo sob o tecto. As sombras luminosas das chamas erguiam-se e desapareciam em clarões fervorosos nas paredes da sala até à cozinha, grunhindo ruídos típicos de um incêndio alastrado.
Levantando-se abalado, correra em socorro da sua família.
- MÃE! - gritou em desespero...
Por entre a invisibilidade e a escuridão subiu as escadas até aos quartos. As paredes rachavam com o próprio peso. A primeira porta à direita dava acesso ao quarto dos pais...
- PAI! - gritou uma vez mais...
As chamas deflagravam o quarto impiedosamente. O tecto deste rugiu, no instante em que desabou sobre o centro projectando centenas de lascas e farpas incandescentes numa bola de fumo e destroços. Gonçalo esquivou-se no último instante, atirando-se para o chão protegendo a cabeça com os braços.
O calor mordia-lhe as pernas. Vociferava em ardor. O seu pijama estava em chamas. Rebolou o corpo sobre si mesmo e esfregou com a mais freneticidade que as suas mãos lhe conseguiam oferecer para afastar as chamas. Usou de seguida a carpete com que se enrolou para abafar as mesmas.
Ergueu-se apoiando o ombro na parede. Tossia por ar fresco. Gonçalo persistiu ainda pelo último quarto, gatinhando pelo corredor junto o mais possível ao chão, onde o fumo não era tão denso.
"Por favor...", disse, suplicando em sofrimento. A porta estava fechada. O calor irradiava uma luz esplandorosa por entre as frinchas, parecendo sufocar-se dentro do quarto. O nome "Adriana" estava pendurado na porta. Levantando-se, cansado e quase incapacitado pelas dores das queimaduras, abriu a porta rápido de mais...
O fumo negro que pairava no corredor entrou pelo quarto em chamas como uma serpente viva e feroz. Houve um momento de explosão. A pressão do ar quente descomprimiu-se e alastrou-se pelo corredor num ápice, arremessando Gonçalo contra a porta do seu quarto, oposto ao do da sua irmã. Ouviram-se estilhaços de vidros de janelas quebrarem-se e lascas de madeira trespassarem tecidos e paredes. As altas temperaturas bastavam para queimar a pele.
Por fim, Gonçalo fora vencido pela natureza da sobrevivência. O seu instinto levou-o mais uma vez a resistir. Não havia mais nada em que podesse pensar. Entrou no seu quarto, arrastando-se debilmente. As chamas tinham encontrado um novo lugar para consumirem. Içou o seu corpo, apoiando-se sobre a cama, depois contornou-a e aproximou-se da janela. Esta estava aberta.
Era uma noite escura. Ouviam-se gritos de desespero dos vizinhos. Sirenes sonoras de bombeiros chegavam do horizonte. Uma bizarra loucura que enchia o peito de medo e sofrimento.
Gonçalo não hesitou. Olhou a estrada e saltou para se salvar.
Criado por Unknown
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